sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2011 e os outros

Sentado na calçada, de gorro velho na cabeça, segurando uma garrafa de pinga vagabunda com as costas quentes encostadas na parede gelada, ele olha para o céu noturno em atual ebulição. Fogos de artifício explodem em gamas inimagináveis de cores e formas, preenchendo o breu com beleza, encobrindo as estrelas cotidianas com seus brilhos energéticos.

Sem ninguém para abraçar, dinheiro para gastar ou branco pra vestir, diz “Feliz ano novo” para si mesmo, sabendo que de feliz pouco verá e de novo nada tem.

Duas horas depois, ainda frescas na lembrança as imagens das comemorações no céu, a rua está em paz. Embriagado, cabisbaixo e sozinho, começa a refletir sobre a vida, os caminhos tomados, as decisões erradas, tentando entender onde e porque tudo deu errado.

Sons distantes começam a perturbar o até então ensurdecedor silêncio urbano. São os carros a toda velocidades e cheios de sorrisos sob música eletrônica alta pelas avenidas principais. Casais, amigos e famílias, todos eles alegres e aquecidos pela própria felicidade, voltando para casa, sonolentos e alienados ao mundo, prontos para descansar das festividades e voltar à vida como ela sempre foi.

Ele queria estar lá. Em qualquer lugar. Com qualquer um. Queria, ao menos uma vez, estender a mão a uma linda mulher para solicitar uma dança, e não implorar um almoço. Desfrutar de uma ceia, tomar champagne debruçado na varanda de um prédio enquanto observa o extasiado horizonte colorido explodir. Ter um relógio no pulso para, pela primeira vez, seguir corretamente a contagem regressiva, e não somente imitar o coro daqueles que comemoram em alto e bom som nos bares de esquina da vida.

Não muito longe dali, três quarteirões abaixo, no terceiro andar de um belo edifício metropolitano, ela usa um longo vestido branco. Decote discreto, cabelo liso tingido e colar de pérolas no pescoço. Sob as luzes de velas em uma pequena mesa de madeira, em uma confortável cadeira solitária e os cotovelos apoiados na mesa, ela olha um porta-retrato do outro lado da sala. Com cara de recordações, lembra do marido que meses antes saiu para comprar pão e não voltou: piscou os olhos durante um tiro de revólver e nunca mais os abriu. Deseja um ótimo ano novo para a foto mais bonita que teve a oportunidade de revelar e se derrete em prantos.

Agora já plena madrugada. As reuniões estão acabando. As pessoas se recolhem em seus aposentos. No centro da cidade, perto da janela de um quarto de hospital público, um terceiro personagem, idoso, vivido e contido, respira sofregamente. Olha para o Sol que começa a surgir no horizonte. Reza, pela primeira vez na vida, e pede um feliz ano novo. Desta vez, também de forma inédita, não para si mesmo, mas para amigos e familiares. Fecha os olhos, inspira profundamente, dá um último sorriso e cai em pensamentos, não tendo tempo de sequer presenciar a primeira manhã do primeiro dia do ano.

Um feliz ano novo, não somente para quem conheço e gosto, mas também àqueles sem rosto nem nome, perdidos no mundo e que nunca poderão ler estes votos. Que a felicidade (ou, ao menos, momentos felizes) contemple toda eternidade curta de nossas vidas.

Ótimo 2011!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

No metrô

O celular toca.
Cansado, encostado em um canto, apoiando o cotovelo sobre a janela para segurar a testa, leva o aparelho com a outra mão até o ouvido.
Um "alô" fraco sai da garganta seca, sem a mínima vontade de se manifestar.

- Calma, já estou chegando ... (longa pausa) ... É .. Atrasou um pouco ...

Mal sabe ela do outro lado o dia duro que ele teve.
Stress no trabalho, calor, vontade de deixar este mundo.
Por ter ficado mais cinco minutos no serviço, perdeu o último trem antes da falha operacional.
Toda a linha congestionada. Intervalos maiores entre as estações. Velocidade reduzida.
Um caminho que duraria meia hora, nesta primeira inteira não chegou à metade.

O operador anuncia a estação.

- É o cara do metrô. É ... Estou ... (longa pausa) ... Não, amor, não é!

Do outro lado, ela se desespera: não quer saber de mentiras. Ele sempre chegou cedo em casa e em seguida anunciava que já se encontrava no abrigo do lar pela internet. Nesses últimos dias ele parecia estranho mesmo. Calado. Ausente. Distante. Será que estava com outra? Conheceu alguém para canalizar os prazeres acumulados da rotina ou fez isso desde sempre e apenas deslizou nesta mentira em particular?
Ela grita, esperneia. Lança frases feitas e desfeitas sem dó nem razão, gaguejando entre os próprios pensamentos.

- Não. É o cara do metrô. Estou no trem!

Ela não acredita. Não bastasse mentir, chegar atrasado, não estar presente, ainda por cima com a outra durante a ligação? Todos sabem distinguir muito bem o barulho irritante velho conhecido dos usuários do transporte público metropolitano da suave voz da amante incandescente com quem deve competir pelo amor de sua vida.

O trem começa, lentamente, a andar. Embaixo de um túnel, fica mais difícil a comunicação e o som parece ensurdecedor.

- Estou entrando em um túnel ... É! Um túnel! (longa pausa) ... Alô? Alô? Alô?

Um absurdo. Em uma festa à noite, sem dar satisfações ou responder suas perguntas, ele desliga o celular. Que ótima maneira de encerrar uma discussão.

Ele olha o celular. Xinga. Vira os olhos. Bufa. Tenta novamente o contato.

- Eu entrei no túnel ... (longa pausa) ... Não, a ligação caiu!

Escutando o monólogo pelo telefone móvel de última geração que, apesar de tanta tecnologia embutida em seus poucos centímetros quadrados, não consegue sustentar uma comunicação subterrânea adequadamente, ele se irrita.

Quieto, sem argumentar, apenas ouve. E ouve. E respira fundo. E passa as mãos na testa suada pela combinação de claustrofobia e desespero. E afasta o celular. E o aproxima. E tenta. Desiste. Respira mais um pouco ...

- Não ... (longa pausa) ... Não é isso ... (longa pausa) ... Amor, me escuta ... (longa pausa) ... Amor, me escuta ... Deixa eu falar ...

O silêncio de cá comprova a eficiência - ou talvez a exagerada - retórica de lá.
Faz-se um hiato imensurável entre a última e a próxima sílaba dita.

- Olha como você fala! Cansei disso ... Eu não sou cachorro ... (longa pausa) ... Olha como você fala comigo! Eu não sou seu cachorro .... Cansei disso ...

Ele é um vulcão. Como se encontrasse forças nas frágeis almas abandonadas dos inocentes réus julgados e condenados pelo júri implacável e nem sempre justo da vida, ele explode em negações e enfrentamentos.
Decidiu não mais consentir. Calar, nunca mais.
Ele confessa todos os até então prioritariamente resguardados ódios e raivas reprimidos.
É este o momento do combate. Titãs de coração de ferro e corpos de borracha se encontram na arena sanguinária das discussões verbais amorosas, digladiando pela autoria do ponto final.

No auge dos verbos que compõe esta história, chego a minha estação.
Levanto, saio pela porta, e deixo para trás o fato, levando apenas a memória e a curiosidade natural pela continuação do presenciado ...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Niet

Escrevo a todos os leitores. Àqueles sujos, suados, fétidos e mortos cujos corações amargurados jamais descansaram sob o cinza do céu e a nuvem de paz que rodeia espírito, corpo e coração.

Sento em meio às teclas e batidas dos meus pensamentos sombrios. Na frente do mundo, vejo a luz que nunca foi revelada, mas que ainda há de vir para todos.

Tonto, cansado e sem jeito, tento escrever em um meio hostil ao qual nunca me adaptei.

Curvo, fecho os olhos que não são meus e abro as mentes igualmente sem dono.

Frio e gélido sob um calor de oitenta graus, eu finjo ser um Keourac mentiroso nas palavras que escrevi.

Antes sem querer e agora por vontade, me movo pelas ruas de São Paulo jazido e caído como um trem de carga sem censor.

Liberto de mim mesmo, eu me entrego aos movimentos repetidos inéditos aos quais aqui estão.

Em uma vontade inconseqüente e incoerente, o resultado: eu aqui e nunca mais, até a próxima solicitação.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Detalhes

Dissertar sobre assuntos já desenvolvidos exaustivamente por diversas outras pessoas não é agradável à ninguém, mas arrisco-me nessa minha aventura literária pateticamente anônima de um frenesi sincero a qual chamo de meu blog mais uma vez para jogar mais sal à velha carne mastigada dos famosos e tão importantes "detalhes".

Essas minúsculas (quase imperceptíveis) nuances que compõem o nosso dia-a-dia de fato têm enorme significado - muito além de títulos de músicas românticas de um Roberto Carlos qualquer ou pregações morais decorrentes de relacionamentos amorosos frustrados. Ainda assim acredito que, apesar unanimidade da questão no imaginário popular, pouco vemos desse conceito como fixado.

Estradas inteiras são percorridas por casais que, só na linha de chegada, no derradeiro momento onde as frases jocosas, as promessas, as indagações, as explicações nunca concluídas e toda sustentação de um tratado baseado no vazio são postos à prova e derrotados, explicitando a falta de tudo onde nada houve, perdendo a chance de encontrar um caminho verdadeiro onde as tradicionais "pequenas ações" transitam do maldito já banalizado clichê para a glória divina da real credibilidade.

Nessas últimas semanas tive a grande sorte de encontrar esse rumo. Venho experimentando velhas sensações que agora soam como inéditas.

Nunca me foi tão válido um despretensioso cochilo preguiçoso após um almoço familiar na tarde de domingo, abraçado e coberto em cama quente, sentindo a calma respiração daquela pessoa especial ao lado, a delicadeza do sono, um baixo e angelical gemido de relaxamento sucedido por um sorriso de satisfação por simplesmente descansar o corpo cansado e cheio.

Confesso que não tenho histórias inesquecíveis de imensas aventuras delirantes e invejáveis para contar. Há poucos "aquele dia lá" para mim. E não por escassez de acontecimentos interessantes, mas porque na minha humilde opinião o que tornam pessoas sensacionalmente incríveis jamais serão momentos pontuais jogados à história, truques da memória com começo e fim, mas o regozijo das miudezas rotineiras.

Não que não haja qualquer necessidade de fatos engraçados, dias eternamente registrados e, enfim, prazeres em situações particulares nas vidas de cada um. Pelo contrário, tenho total conhecimento de sua devida importância para o desenvolvimento sadio de qualquer relação duradoura. Minha conjectura baseia-se apenas em afirmar que, em verdade, é no modo de encarar o cotidiano e as vicissitudes de uma monotonia inevitável para alguns que está o segredo de tudo: do bom-dia carinhoso ao acordar, precedido por um beijo na cálida nuca descoberta de um corpo ainda sonolento, da alta discussão sobre qual será a janta - pizza ou comida chinesa, das brincadeiras e trocadilhos quase infantis feitos com nomes de estações no transporte público, das ligações telefônicas após um longo dia de trabalho apenas para saber como foi o dia do outro, dos remédios e cafunés dados e recebidos durante uma avassaladora gripe qualquer, dos churros (sempre com recheio de doce de leite e cobertura de granulado), às brigas, cócegas na cama, beijos longos ou curtos, chuvas embaixo da mesma proteção, táxis noturnos, corridas por um ônibus, origamis inesperados, apostas comprometedoras, passeios culturais, shows, ensaios, chocolates quentes de meio litro da Starbucks, alfajores orgásticos de um quiosque da Havanna, compras de supermercado ou desenhos animados assistidos na televisão, sentados no sofá comendo chocolate e rindo um do outro por rirem da mesma coisa.

Mais do que um slogan empresarial abusando da retórica para fidelização de clientes, na vida, detalhes fazem, sim, toda a diferença. Considerando a atualidade, sinto-me léguas mais feliz em cada milimétrica atitude.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Classificados

Aluga-se este espaço.

Contato: http://britonicos.webs.com (tratar com Claudio)

domingo, 15 de agosto de 2010

Mergulho

Um mergulho.
Às vezes um mergulho é tudo que uma pessoa precisa na vida.
Esquecer das vezes em que se afogou para usufruir de um oceano inteiro de possibilidades.
Parafraseando John Lennon: fugir das "piscinas de arrependimento" e aproveitar as "ondas de alegria" que o mar alheio têm a oferecer.

Há horas em que deixamos de aprender a nadar com medo de se afogar.
Na superficialidade da terra, analisamos de fora as verdadeiras profundidades naturais.

Um mergulho.
Às vezes apenas um mergulho é o responsável por nos separar entre o tudo e o nada.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

O dono do risco

A folha de papel branca à frente.

Em uma mão trêmula e hesitante, a caneta.
Na outra, sua cabeça pesada de idéias leves.

Pensamentos e traços igualmente vazios.
Aquele sentimento de nada a falar - ou fazer - massivo e compreensível, mas que ninguém consegue explicar.
Quando os seus atos são como a aproximação da tinta na celulose barata e amassada em cima da mesa lisa de madeira: tão perto, tão potencialmente significativa, e ainda assim totalmente dependente.

A fome pelas palavras que ainda não foram criadas. O amargo do inominável beirando a existência no vão entre sua vida e minha alma.
De um só sorriso, tira-se ânimo e desgosto.

Um grito mudo sufoca o peito quando a mente trava.
As pernas agitadas chamam uma atenção que você por inteiro já não consegue.

Sentimentos são poemas em resposta daquilo que nunca foi dito, reflexos óbvios de forma pouco criativa: mentiras e verdades distinguem-se apenas por perspectiva.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Esperando pela ruptura

Relacionamentos humanos são elásticos: por mais que forças externas retesem sua unidade total, nunca perdem sua resiliência. Indo e voltando, muitos acreditam que no fim é eterno e inabalável se verdadeiro e dedicado.

Poucos percebem a mentira fantasiada de roteiro Disney desta crença.

Nem o mais flexível dos produtos passionais resiste à certas pressões constantes e/ou exageradas. Chega um tênue momento limítrofe entre a união fragilizada (ainda) recuperável e quebra definitiva daquilo com que se brinca.

Talvez me encontre neste limbo. Perdido, confuso e cego. Indeciso entre a razão e o sentimento. Sérias decisões - próprias e alheias – me encurralam no canto como um coelho branco inocente no breu selvagem de um quarto em um hospício.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Ponto de vista

O velho abajur preto de lâmpada fluorescente aceso pela sonolenta mão direita após o contínuo grito alarmante do despertador indicando que são sete e vinte da manhã fria de uma quarta-feira de trabalho.


O quarto bagunçado, roupas jogadas em cima da cadeira e penduradas em cabides do lado de fora do armário de madeira, o colchão ainda quente e amassado pelo corpo que acabou de levantar, o relevo montanhoso do edredom azul claro largado, recriando fiordes de lã e nylon neste confortável quadricular planeta cama.


A dança hipnótica das magras persianas beges no forte ritmo musical dos ventos matinais na janela aberta da sala enquanto as folhas verdes nos vasos decorativos da sala balançam e concordam com tudo.


Você no espelho, cabelo bagunçado, pequenos e sonolentos olhos vermelhos, boca seca e pijama.


O velho tênis rasgado pisando na avariada calçada cinza na rua vazia, apenas alguns carros que dormem paralelos à guia, estabelecimentos comerciais ainda fechados e meia dúzia de árvores outonais sobrando na paisagem, outliers no gráfico metropolitano de figuras corriqueiramente apáticas estampadas mundo afora.


Trens chacoalhantes e sucateados entupidos de rostos, chapéus, livros e blazers diversos; identidades singulares perdidas na multidão inominável, homogeneizada pelo transporte púbico e de baixo custo que espreme as peculiaridades e experiências únicas de cada indivíduo em uma massa uniforme que geme e reclama e se aperta nos espaços possíveis não ocupados por bancos, mastros de aço e malas.


Nuvens arrogantes, aves silenciosas e um tímido Sol aquecendo um cachorro de rua deitado no chão, cabeça apoiada nas cansadas patas batalhadoras, olhos semicerrados por um singelo prazer natural, crianças saindo de seus aconchegantes sobrados, limpas, arrumadas, mochila nas costas, caderno nas mãos, emburradas no rosto e o senso de dever hesitando no momento de ir para a escola.


A vida começa a aparecer, assim como o dia. E me encontro filosofando comigo mesmo: nós reclamamos tanto das coisas que vemos que nos esquecemos de agradecer justamente pela incrível possibilidade de vê-las.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Algo a mais ...

Quando a comparação constante com os fantasmas do passado é um fardo muito grande a carregar.

É frustrante ver a intenção de atingir os mesmos significados perder a batalha e escorrer gélida pelos seus hesitantes dedos, como um pintor de parede tentando recriar a natureza em uma tela e não alcançar a perfeição de um Picasso – sem exposições nos museus sentimentais alheios. Há sempre (e no mínimo) um detalhe bloqueando o êxito. Aquela árvore importante que você deixou de desenhar porque se preocupou demais com o céu. Os tons, cores e relevos em contraste por sua desatenção, preteridos pela técnica do pincel que no fim de nada valia em separado do espetáculo geral da obra.

A questão do próprio desenvolvimento pessoal parece irrelevante quando vistas algumas falhas ou diferenças. Talvez, alguns nasceram para o Cordon Bleu e outros sempre queimarão o feijão e empaparão o arroz.

E a despeito do que supõe toda utópica hipótese de auto-alívio sobre as especialidades singulares que possui cada indivíduo, você perde em demasiados quesitos e diversas vertentes. Não por um fato isolado para balanceamento, mas pelo conjunto das histórias vividas, cada uma com sua peculiaridade a qual você não consegue vencer.

Implicitamente desesperado, lhe restam tentativas vãs de um diferencial significativo – aquele gesto único de esperança em tatuar na lembrança a sua existência. Se não pelo efervescente desejo de posse e entrega total que a paixão alimenta, pelo carinho contínuo, memórias e auxílio mútuo como só o amor tem a oferecer.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

[stop]

Acho que eu ando com um bloqueio criativo nos últimos tempos.

Não que me faltem idéias para as quais desenvolver longos e confusos parágrafos enrolados como é do meu feitio, mas justamente pela abundância de assuntos para falar e outras tantas razões indefinidas que as palavras me escapam do teclado.
Antes mesmo deste texto, por exemplo, ouvi quinhentas mil duzentas e oitenta e cinco músicas, passei por quatro ou cinco sites de notícias, comecei e terminei uns três e meio assuntos. E nada fluía. As palavras que geralmente me vêm mais fácil que perfume contrabandeado do Paraguai nas últimas semanas têm encontrado a resistência da Receita Federal mental deste meu cansado cérebro desiludido.

Eu realmente não sei qual é o vírus que contamina a minha criatividade. Será o stress de encarar um trabalho sério pela primeira vez na vida? A falta de concentração oriunda de minha felicidade atual, tornando difícil descrever o mar quando se está com a cabeça nas nuvens? Ou será que eu já gastei toda a minha munição verbal e agora tento apenas tirar leite de pedra?

Não. Já passei por isso antes. Tudo que preciso é de um lugar silencioso, um dia inteiro sozinho para escrever, e café.

Ainda assim, um dia volto a escrever bem. Mas, por enquanto, não havendo nada para acrescentar, tão pouco irei escrever.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Um breve pensamento

Uma breve teoria pensada há pouco durante o banho: nós nunca queremos de fato aprender, apenas não queremos errar.

Não estou dizendo que essa é a verdade, ou que estou certo. É apenas uma opinião. E não necessariamente a minha opinião, mas uma qualquer, podendo servir ou não dependendo da ocasião e análise.

Mas, em todo o caso, quando eu digo isso, que nós nunca queremos aprender, e sim não errar, eu espalho a regra para todas as vertentes do nosso cotidiano: amor, trabalho, estudos, família.

Temos o péssimo costume de repetir os erros diversas vezes; não por burrice, ou descuido ou descaso, mas porque não queremos saber o que é o certo ou melhor de fato, nós apenas evitamos errar e algumas vezes sabemos o caminho para tal.

Achamos que é horrível não aprender a utilizar aquela fórmula matemática para equações de segundo grau e nos sentimos um lixo, e estudamos e decoramos para poder não errar e não tirar notas vermelhas. Mas quem, com mais de vinte e um anos e que não estuda na área de exatas, lembra como resolver uma equação com duas incógnitas?

A humanidade, desde a antiguidade, vive em frustrações amorosas e sempre chora suas mágoas alegando que não aprendeu; mas realmente quis? Realmente parou e falou: vou aprender, vou analisar friamente e vou acertar? Imagino que não. Não assino embaixo de minhas estúpidas viagens textuais – mesmo porque muitas vezes me incluo nos quadros citados – mas suponho que a verdade é bem distante do ensino: agimos precipitada ou tendenciosamente, como nos convém no momento, e torcemos secretamente, fazendo vigas e mordendo os lábios, para não ter errado. Se deu certo, a sorte que vá trabalhar nos cassinos, pois nós no fundo não ligamos. Mas se dá errado (e geralmente dá), batemos no peito e dizemos que de agora em diante aprendemos a lição.

É a vida ... Um dia aprenderemos a aprender ... Até lá ...

terça-feira, 8 de junho de 2010

Ele e ela

Em uma conversa de botequim, bebendo aquela cerveja Heineken perfeitamente gelada sob o Sol escaldante em uma tarde de domingo, ele conversa com os amigos sobre a vida pessoal, casos e desejos.

Misturando sentimento e embriaguez, expulsa palavras de desabafo há anos entaladas em sua garganta como quem recita um poema shakespeariano mais do que bem decorado no iluminado palco de um teatro municipal lotado, relatando sua dolorida frustração por não ter aquela companheira especial querida desde criança, quando desenhava seu futuro com giz de cera vermelho em uma folha arrancada de caderno escolar e fazia planos de sustentá-la com seu salário de astronauta quando fosse o primeiro garoto a jogar bola na superfície de Júpiter.
Com mais detalhes que um relatório espião do FBI a respeito de algum suposto terrorista, ele descreve seu desejo de futura paixão inserindo hábitos, marcas de nascença, qualidades, defeitos e tudo mais que, seguindo os padrões de mente e coração solitários, acredita ser o complemento ideal de sua própria personalidade para lhe acompanhar até o fim dos tempos nessa jornada estúpida, íngreme e lítica chamada vida.

Mediante a análise lógica das descrições fornecidas pelo bêbado apaixonado, os amigos - céticos como é natural do ser humano perante questões do amor, universo e vida - informam com pesar a unânime opinião de que só em sonho ele encontraria essa garota que, se de fato não era perfeita no sentido amplo e total da palavra considerando toda diversidade de gostos e culturas existentes neste nosso planeta chamado Terra, era, no mínimo, o melhor possível (ou, no caso, impossível) para ele próprio.

Desacreditado da teoria que julgava conspirar a favor de sua solidão, indignou-se e, saindo do bar, cambaleando entre sujas vielas metropolitanas e garrafas vazias jogadas ao chão, rumo sua residência a quatro quarteirões dali, filosofou sobre sua utópica garota e maneiras de encontrá-la. No Shopping Center do bairro; em uma praia em Salvador; em uma cabana envelhecida de madeira nas Serras Gaúchas; no céu, escondida entre nuvens de chuva e urubus famintos procurando presas indefesas; debaixo do tapete de sua sala de jantar, em um compartimento secreto criado na Segunda Guerra Mundial para refugiados e que agora servia para nada além de cúmulo de poeira; na frente da Casa Branca, em Washington, fotografando a paisagem com uma câmera amadora vermelha em meio a outros vinte turistas japoneses igualmente maravilhados com a incrível cidade norte-americana. Nenhuma maneira soava absurdamente desestimulante e, ainda assim, sabia que, mesmo orgulhosamente relutando em aceitar a sugestão de suas amizades, somente em sonhos a conseguiria.

Quando uma idéia surge em sua mente - obviamente ridícula, mas ainda assim uma idéia (nestes e em muitos outros casos, ainda é melhor do que nada)-: se esta garota só é alcançável em sonhos, por que não simplesmente sonhar? Teoricamente, se o que todos dizem for verdade; e a Razão, apenas por uns dias, decidir tirar férias em Buenos Aires, visitar os atrativos turísticos da cidade e viajar um pouco com o Azar, torna-se então totalmente viável este estranho encontro subconsciente.
Relaxado, deitado em sua confortável cama dentro de seu quarto, trancado e totalmente no escuro, ele se permite dormir.

Acorda em um restaurante chique, dentro de um terno alinhado, degustando um Romanée-Conti, da safra de 1961, sentado em uma mesa com guardanapos de pano e ao som da melancólica harmonia de um quarteto de cordas. Confuso e atordoado, porém não menos satisfeito, tenta ligar os fatos às suas respectivas ordens cronológicas em vão, faltando uma lacuna entre o fechar de olhos em sua casa e a abertura neste exótico estabelecimento, desconsiderando ainda a improbabilidade financeira de sua presença ali.

Repara na arquitetura de classe, na iluminação indireta que dá o ar tradicional ao local, no clima do ambiente, com conversas tão baixas quanto sussurros ao pé do ouvido. Não sabe onde está, nem como chegou.

Olhando a frente, cara a cara, como se, pela primeira vez em toda a história do Universo, a obra encarasse o artista, ele a encontra. Finalmente, depois de uma vida inteira de espera, ele a vê, com o mais encantador sorriso já registrado por olhos humanos. Indescritível. Depois de tanto procurar, e desencontrar, e perder, e prestes a atravessar a linha tênue entre o visionário e o lunático, lá está ela. Mesmo sem a conhecer, sem nunca tê-la visto em nenhum outro lugar, nem ter idéia de sua existência, ele sabia quem era ela. Engasgado em si mesmo, atropelando as palavras como se todas quisessem sair ao mesmo tempo para impressioná-la antes da sucessora, tenta iniciar um diálogo.

Para evitar retóricas desnecessárias e facilitar a eloqüência, relevarei os detalhes mais específicos do encontro. Basta dizer que tudo aquilo que ele sempre esperou era muito menos do que ocorreu. Tudo fluiu como o melhor estruturado manancial e a mais límpida água. Muitos diriam perfeito. Ao julgar pela situação, as risadas, o jantar, a caminhada de volta para casa e a despedida, é melhor simplesmente não dizer nada, pois de fato não há necessidade disso.

No último beijo, aquele que depois do tchau, antes do fechar da porta por ela e a longa reflexiva caminhada retrospectiva dele, acordou. O teto agora iluminado pela luz que invade o quarto denuncia a ficção de tudo. Desanimado, passa café-da-manhã, almoço e jantar, trabalho, lazer e calvário, pensando na hora de deitar, sabendo que ainda há a possibilidade de repetir ou dar continuidade à história.

Dito e feito, a noite seguinte reservou-se para um passeio no parque com ela. E foi assim, por dias, dias e dias.

Semanas e meses se passaram com esses encontros noturnos imaginários. Finalmente estava feliz e completo. Não importava quão difícil, irritante, cansativo ou depressivo fosse o dia, à noite ela estaria lá. Melado, vivia para dormir. E acordava para ter sono, e dormir novamente.

Casou, teve filhos. Construiu uma vida inteira porque era o que esperavam que fizesse. Amava a esposa de dia, mas o coração realmente pertencia àquela que via à noite, traindo em sonhos e sentimento a mãe de seus filhos.

Nos sonhos, ela também envelhecia com ele. Juntos, viveram todas as noites de suas vidas, solitários em si mesmos. Apaixonado casal noturno de boêmios, agora idosos, cansados, aposentados de trabalho mas não de paixão.

E todas as noites, ele se perguntava como era possível viver uma vida paralela em seus devaneios pessoais. Uma vida inteira passada à noite com a mesma mulher. Como uma imaginação podia ser tão constante e real? Mal sabia ele que ali, na casa vizinha, vivia uma mulher - agora também com idade avançada como ele - que todas as noites dormia para encontrar aquele rapaz, que conheceu na mesa de um restaurante imaginário, e caminhou em um parque imaginário, e viveu uma vida imaginária, sem nunca nenhum dos dois sequer supor que, simplesmente batendo na porta ao lado, encontrariam o que procuraram em todos os outros lugares.

sábado, 5 de junho de 2010

Sombras

Nem apagando a luz.
Nem fingindo que não está vendo.
E até mesmo segurar aquele suspiro irritado depois de perceber que contar até noventa e nove não funciona mais é em vão.

Algumas sombras não somem.
Constantes, são as primeiras a darem oi, as últimas a darem tchau e transformam a idéia de levar uma pedrada na têmpora em uma manhã fria de domingo na melhor experiência possível de se imaginar.

E quando aquele silêncio semelhante à tomada de fôlego de um nadador antes do tiro de largada em uma corrida aparece, é para evitar palavras atomicamente afiadas e desnecessariamente explosivas que parecem cada vez mais inevitáveis.

Você até pensa - por um oitavo de segundo ou menos - que está enganado. Que não há ambiguidade ou intento, apenas má interpretação. Mas toda luz acesa, um dia esteve apagada, e ninguém bate o dedo do pé na beirada da cama quando enxerga o caminho. Como a virtuosa improvisação estudada de um jazz, casualidade e planejamento se confundem.

E atrapalha.
A escuridão sempre dificulta os passos do desenvolvimento.
E desgasta como o mais alto ruído quando tudo o que você quer é o mínimo digno de silêncio para conversar com aquela pessoa especial, saber da sua vida, suas histórias, suas ambições e pensamentos e o que consegue é a garganta arranhada por forçar o tom e palavras-chaves perdidas por desvio de atenção e outros sons.

As sombras são líquidas.
Penetram nas brechas de sua ausência e te afogam de um modo que, se tamanho empenho fosse aplicado longe de ti, haveria admiração pelo breu, e não rancor pela cegueira.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Petit

Quando o rosto falha o disfarce e um sorriso escapa da boca, é sinal de que as coisas vão bem. É a prova de que o controle perdido compensa a alegria obtida.

Falando besteiras, olho-no-olho, decifrando os pequenos códigos estampados nos detalhes de cada oração, fica claro - ou pelo menos aparente - de que há algo maior. Tão óbvio que embaça a vista e só a prazo percebe-se a construção.

O pensamento fica bobo, preguiçoso. Uma risada rima com a outra, e ambas riem de si mesmas.

Nesse jogo, nós, lado a lado, me faltam as palavras e sobra o que dizer.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Aquele tênis ...

Aquele tênis que sua mãe comprou para dar de presente e você deixou jogado em um canto qualquer do quarto porque não combinava com nenhuma de suas roupas foi o motivo pelo qual um pobre jovem chinês perdeu o dedo indicador na máquina da fábrica de calçados e não pôde apontar para a Lua no dia em que o céu era o mais lindo que havia visto na vida, perdendo a chance de ser romântico com aquela menina que ele tentava conquistar desde que tinha seis anos de idade, e estudavam juntos na mesma classe, e comiam lanche juntos, e brincavam, e ele planejava ser a paixão da vida dela, mas se envergonhou pela deficiência adquirida após anos de trabalhos insalubres, calou-se, e apenas observou o mais belo da turma galantear sua amada, roubando-lhe a esposa de seus sonhos: ex-futura mãe de seus filhos.
Aquele mesmo tênis foi comprado com dinheiro ganho por sua mãe após 66 horas semanais em um emprego stressante, aturando clientes prepotentes e intolerantes, chefes constantes e ameaçadores, destruídos ônibus lotados, calor, suor, comprimida entre desconhecidos rumo ao mesmo destino final, cansada, sonolenta e com o único desejo de te agradar e ver novamente aquele mesmo sorriso registrado aos seus 5 anos de idade, quando seu pai montou durante a madrugada que deixou de dormir uma árvore de Natal e colocou abaixo de seus galhos plastificados aquele presente embrulhado que você gritou e chorou para conseguir porque viu na televisão, e na escola, pois todos os seus amigos tinham e você queria também.
Aquele tênis, e seu valor comercial, calculando sua porcentagem correta em valores de comissão na loja que foi vendido, foi também os centavos que restavam para que o vendedor, após a jornada de trabalho em uma simples loja de um bairro central metropolitano, rumasse até a joalheria perto de casa e gastasse todas as suas sagradas economias dos últimos dezoito meses, deixando de beber, festejar e se divertir, em um anel de ouro singelo mas apaixonadamente comprado para sua até então namorada, que ao entender a proposta, chorou, e disse "sim", pois tudo o que importava naquele instante era a alegria de imaginar uma vida difícil, porém feliz na medida do possível, ao lado daquele que acreditava ser o seu eterno companheiro de luta.
Aquele tênis foi produzido após meses de estudo, análise e acordos, por profissionais que estudaram anos em uma faculdade particular sofridamente paga com salário de estagiário, servindo café e tirando xerox para superiores, com o sonho na cabeça de um dia ingressar em uma renomada empresa e compensar toda raiva e dor já sentidas.
Aquele tênis, apesar de tudo isso, não foi usado porque você tinha que vestir uma roupa que impressionasse alguma garota naquela balada legal que você costumava ir, garantindo uma noite de diversão e a vida inteira de indiferença. E aquela garota, que após meia hora de conversas e trocas de olhares interessantes e interessados, acreditou ter encontrado o melhor rapaz do mundo, e se apaixonou no mesmo instante que os seus lábios se tocaram; e nas semanas seguintes, quando você não ligou, ela ficou traumatizada, nunca pôde confiar novamente em outra pessoa, e viveu o resto de seus ordinários dias sozinha em um sobrado olhando pela janela e criticando as crianças barulhentas que jogavam bola na rua e só queriam saber de fazer um gol entre aquelas traves feitas com pedras e chinelos.
Aquele tênis é somente um tênis, mas também é a maior prova de como as menores coisas da vida significam muito, para muitos, e às vezes não se dá o valor adequado às coisas que realmente importam. Inclusive eu, e minhas palavras, e este texto.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Palavras sobre poucos minutos

Manhã de um dia de semana comum. Um céu despretensiosa e uniformemente cinza europeu coadjuva a paisagem exposta diante de meus olhos, eclipsado pelas barras metálicas da janela de um quarto, agora frias devido ao clima invernoso, outlier entre todos os dias de todos os meses de todos os outonos desde todo o sempre.
Deitado naquela cama - que se não for a melhor do mundo, com certeza merece menção honrosa - como recheio entre cobertores e colchão, me recuso a aceitar a doce claridade que anuncia o começo da empreitada diária e decreta o fim do descanso preguiçoso que todo homem acredita merecer por no mínimo uma vez durante sua existência.

Meus pensamentos ainda horizontais se levantam e a saúdam quando passa entre os umbrais de madeira que dão acesso ao quarto.
Ela que até agora se banhava em água quente enquanto eu me irrita com luz, clima e tempo, atrai pra si toda minha tímida atenção sonolenta sem nem ao menos precisar querer tal mérito natural.
Admiro seu corpo ao colocar a roupa e analiso cada detalhe como se a pele, o cabelo, o rosto, as pernas, braços e todo o resto fossem milimetricamente desenhados com pincel de Marta por algum genial artista renascentista altamente inspirado no melhor dia de sua vida.

Ela dá um sorriso e pula em cima de mim para desnecessariamente me desejar um bom dia, já que esta simples ação já o tornou realmente ótimo. Retribuo singelamente, mas com milhões de frases secretas escondidas na ponta da língua, espetando meu cérebro com a vontade da profissão no mesmo sentimento crônico do pé suicida ao pisar no vazio sabendo que seu par já se encontra no limite do abismo. A iminência do desconhecido me dá apenas a certeza de não saber o que está acontecendo, e ainda assim adorar.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Felicidade

Um planeta muito distante. Tão longe de nossos olhos que nossa superestimada inteligência humana de séculos e séculos de estudos acadêmicos não consegue sequer imaginar uma forma próxima à razoável de medir a distância. Seu nome era Fictício.
Neste planeta Fictício, também há vida. Seres tão humanos quanto nós: seres humanos. E, tanto quanto aqui, também havia dor, sofrimento, decepção e todos os substantivos que nos fazem chegar em casa de mal-humor, suados, irritados ao voltar no metrô lotado após um dia de trabalho recheado de stress, pressa e nervos à flor da pele por causa de algum cliente chato que insistia em solicitar o inviável e você tinha que engolir as centenas de palavras que sua língua, como uma metralhadora mafiosa apontada para o coração da vítima que não pagou o que devia, se preparava para atirar porque aquele velho ditado contado, pintado e bordado por gerações e gerações familiares acabou por convencer tudo e todos de que ele sempre teria razão.
Um certo dia, um cientista, trabalhando incessantemente em seu laboratório caseiro, pago com um empréstimo bancário de juros incalculáveis que valeriam a pena considerando tudo que estaria por derivar deste arriscado investimento profissional, inventou uma nova pílula. Não uma pílula comum. Mas uma pílula que deixava as pessoas felizes, alegres e contentes. E não porque liberava alguma substância química relaxante responsável por amenizar os impactos externos no sossego mental do paciente. Mas porque solucionava, de fato, todos os problemas de quem a engolisse. Dívidas pagas, retornos amorosos, notas máximas em provas. Tudo seria, instantaneamente, como algum inexplicável milagre divino, resolvido.
Dono da patente, logo, monopolizando a produção, e responsável único pela produção do remédio que rapidamente virou notícia disseminada munda afora, o cientista abriu uma enorme fábrica para ofertar a pílula, que, por excelente inteligência publicitária ou pura obviedade nominal e consequente, dali em diante seria chamada de Felicidade.

Logicamente, não eram todos, de início, que possuíam Felicidade. As teorias econômicas nunca erram quando se trata de muita demanda para pouca oferta. Quando a Felicidade surgiu, somente os ricos tinham acesso.
A elite pagava caro para ter Felicidade. Banqueiros, políticos e celebridades poupavam o máximo que podiam. Deixavam, pela primeira vez em tempos, de comer a especialidade da casa naquele aconchegante restaurante onde eram clientes assíduos, com direito a foto na entrada e mesa VIP, para cozinhar a própria comida em seus ainda pouco utilizados fogões, já que até mesmo a empregada fora demitida por agora ser um luxo obstaculizante no caminho à Felicidade.

Percebendo na invenção uma possibilidade de auto-propaganda jamais antes vista, aliando utilidade pública com interesse pessoal, o governo apressou-se em subsidiar a produção da pílula, tornando-a viável para a maior porcentagem populacional possível. Cartazes, comerciais de televisão, chamadas em revistas: todas traziam, ao lado do logotipo do partido estabelecido na situação, slogans como "Só o nosso governo lhe traz Felicidade", "Felicidade ilimitada para nossos eleitores" ou até mesmo "A sua Felicidade é a nossa preocupação".

Assim sendo, agora quase toda a população poderia ter Felicidade. Ou ao menos era o que a maioria acreditava. Filas quilométricas formavam-se nas portas dos pontos de distribuição. Pedidos via internet, via jornais, via cartas, via mensagem de fumaça por aviões no céu, todos pedindo mais Felicidade. Até mesmo passeatas eram organizadas, unindo milhões de faces e o dobro de braços, todas segurando placas e gritando "Queremos um pouco de Felicidade!".

O medo de uma conspiração tramada pela oposição, advinda do proveito de uma revolta acumulada da população pela ainda insuficiente oferta de Felicidade, forçou o governo a liberar as patentes farmacêuticas e permitir a criação de indústrias genéricas do produto. Logo as prateleiras estavam tomadas por concorrentes da Felicidade: Sucesso, Riqueza, Ventura, Alegria, enfim, inumeráveis clones que tentavam tomar o lugar do antigo produto. Qualquer um que não conseguisse conquistar a Felicidade, se sacrificava um pouco menos atrás de Sucesso. Ou, sabendo que nunca poderia ter Felicidade, o indivíduo dedicava a sua vida pela Riqueza. Casos e acasos.

Infeliz e aparentemente, a bula do remédio não foi lida de modo correto. Talvez mesmo o menos instruído dos indivíduos, mas que tivesse mínima noção do alfabeto e uma capacidade semelhante de interpretação de texto, perceberia que a Felicidade pede uso moderado. Em um trocadilho sem nenhuma intenção de comparação explícita com o outro substantivo, este comum, que não dá título a pílulas nem a coisa alguma, só a um conceito: ambição e Felicidade não caminham juntos.
A maior prova disso foram os meses que sucederam a massificação da produção: o exagero por parte da população. Não raro eram os casos de pessoas que engoliam três, quatro, dez comprimidos de Felicidade de uma vez e paravam no hospital por overdose. Ou brigas entre conhecidos, amigos e irmãos pela Felicidade individual. Chegou-se ao desespero quando empreendimentos eram saqueados por Felicidade.
A Felicidade tornou-se um vício. As crianças aprendiam na escola que Felicidade era a melhor coisa de todos os tempos e o motivo de toda a existência. Ninguém se contentava mais com pouca Felicidade. Quando já era possível ter pequenas Felicidades no decorrer do dia, as pessoas buscavam uma Felicidade maior. Uma Felicidade grande o suficiente para causar inveja nos vizinhos e conhecidos. Felicidades eram comparadas. Era comum ouvir que a Felicidade de um era maior que a Felicidade de outro. Quem tinha pouca Felicidade, ou Felicidade comum, daquelas doses diárias que só o cotidiano é capaz de prover, não ficava completamente satisfeito. Era obsessão.
E a primeira de muitas mortes comoveu o mundo: o filho, criado desde sempre para buscar a Felicidade a qualquer custo, não aguentou a pressão de ser incapaz e assassinou, com dois tiros, o dono daquela mercearia de bairro, atrás de, pelo menos, Riqueza, já que Alegria não dura muito e Sucesso é escasso.
Chacinas, sequestros e muitos roubos depois, todos em busca de Felicidade para cada um dos responsáveis, e o governo decidiu banir o produto. Mais nenhuma produção, genérica ou oficial, de Felicidade ou semelhante, seria permitida. Os problemas antigos voltaram. A população continua a reclamar das velhas coisas de antes. Mas ao menos um dos males foi morto pela raíz.
Ainda hoje há quem continue a procurar pela Felicidade.
Os mais velhos dizem que ela nunca mais voltará. Os mais novos acham que, na realidade, ela nunca existiu. No fim das contas, talvez ambos estejam certos. Ou talvez a resposta ainda não foi criada, escondida indeterminadamente na garagem-laboratório de um aspirante a mais novo cientista, que encontrará alguma outra fórmula em um belo sorriso de satisfação oriundo da mais verdadeira felicidade, esta com letra minúscula mas não menos importante.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Compassos em descompasso

Ouvindo música agora, decidi fazer um pequeno ensaio sobre a mesma, e sua mudança através das épocas. E quando digo mudança, eu tentarei ir, mesmo que sucintamente, mais fundo que uma simples comparação entre ritmos, modas e letras. Ao falar de música, digo o modo como nossa forma de audição se modificou. Como OUVIR MÚSICA se transformou e se adequou às necessidades sociais.
Se o nível de dados captados aumentou exponencialmente ao longo dos séculos - estima-se que uma edição diária do jornal New York Times tenha mais informações do que as recebidas por um habitante da idade média ao longo da vida inteira -, no mundo da música não foi diferente.
Para facilitar a comparação, partirei para o radicalismo entre a rotulada "música clássica" (que chamarei de "1", por preguiça literária) e os sons que estão nas paradas de sucesso atualmente (que pensei em chamar de "3" para fugir do óbvio, mas por motivos pedagógicos, chamarei de "2" mesmo).
Em 1, as peças tinham uma duração relativamente longa: obras inteiras, como a "Nona Sinfonia" de Beethoven, possuiam apenas uns 4 movimentos, com uma média de 10 a 15 minutos de duração cada um. As apresentações eram feitas em teatros, com pessoas sentadas confortavelmente, esperando, apreciando, sem pressa.
Em 2, músicas de 4 minutos são consideradas enormes. Discos lotados de músicas curtas são feitos e refeitos constantemente e já são lançados com prazo de validade determinado e planejamento futuro de novas composições no forno. Pocket shows, em pé, até mesmo ao ar livre garantem a diversão da população. Canções com longos solos ou muitos versos saem, inclusive, com uma versão "radio edit" menor, censurada - decepada! -, preterindo a beleza pelo vazio.
Em 1, as notas soavam. O tempo era mais cadenciado. Era possível aproveitar a singularidade dos timbres. A nota mais curta utilizada na idade média - chamada de "breve" - possuia o dobro de duração da nota usualmente mais longa das partituras atuais (a "semibreve").
Em 2, você mal entende de fato o que está acontecendo. Você conversa de música com um guitarrista e ele comenta que o ídolo dele é bom porque consegue executar milhões de notas por segundo. Bumbos duplos de bateria, ritmos frenéticos, tudo acelerado.
Em 1, havia mudanças de harmonia na mesma faixa. Uso vasto das escalas musicais, mudanças rítmicas, dinâmica: o silêncio e o barulho brigando por um espaço no palco. Dissonância era relativamente comum, e os padrões eram longos demais para decorar.
Em 2, as faixas, na maioria das vezes, se resumem ao uso de três ou quatro acordes. Uma divisão de introdução, verso e refrão é utilizada com exaustão. Padrões curtos e repetitivos que ficam grudados na mente como aquele chiclete de morango sem gosto que você coloca embaixo da cadeira da sala de aula quando a professora não está vendo.

Enfim, poderia ficar horas pesando os dois lados, mas seria inútil quando imagino que já consegui transmitir minhas idéias com relativa clareza.
Não estou dizendo, de modo algum, que um ou outro é o correto. Estou totalmente consciente que as épocas e as propostas diferem. Simplesmente não dá para comparar.
Minha intenção não foi vangloriar uma arte e menosprezar a outra. Ou levantar uma bandeira. Ou fingir ser um Moisés musical em cima de uma montanha, gritando as verdades do mundo para todos e acusando os deuses artísticos alheios.
Tudo isso foi apenas um pequeno ensaio sobre a música. E o tempo. E os tempos. E a vida. E como a clara diferença entre um banquete cuidadosamente preparado por François Vatel e aquele miojo básico de galinha caipiria para matar a fome quando chega da balada pode ser facilmente identificada no fone de ouvido do seu mp3.

domingo, 14 de março de 2010

Publicando (in)utilidades particulares

Faz semanas que eu quero escrever novamente neste blog, mas condições adversas me impem de dar continuidade a uns dos meus favoritos hobbies: escrever.
Cansaço pós-stressante-dia-corrido-de-trabalho recém-iniciado em outra cidade. Falta de criatividade ou excesso dela, que atrapalham a escrita tanto pelo vazio quanto pela escolha. Tempo livre utilizado em outras vertentes de minha vida: a social (já mal existente), a musical (que bem caminha e me satisfaz), cultural, outras obrigações não lembradas ou que mal valem a pena a citação.
De qualquer maneira hoje eu decidi sentar de qualquer maneira em frente ao computador e digitar seja lá qual bizarrice desconexa multifacetada e desabafada fosse. E foi o caso da pluraridade de assuntos brincando de gangorra nos meus pensamentos, aparecendo e escapando de meus dedos como crianças que brincam de esconde-esconde entre pilares e muros no intervalo da aula em uma escola.
Pensei então em emular um Jack Kerouac tupiniquim e também simplesmente seguir um fluxo de consciência não-linear, mas não contando histórias de minha vida, mas pensamentos de meu cotidiano - que, por alguma razão desconhecida, me parecem muito mais sinceros que fatos para tal tradução individual.

Bom, agora sou trabalhador. Consultor de viagens. Pressão. O nome da empresa não posso dizer pois o setor de marketing procura pela internet por citações e eu posso ser repreendido, mas posso afirmar que é bem legal o trabalho. Corrido como nunca. Às vezes parece necessário ser três. E eu ando até sonhando com assuntos pendentes, apesar dos poucos dias que já vivenciei. Mas o tempo passa muito rápido. E dá para aprender bastante coisa.

Faculdade acabou. Quer dizer, ainda preciso fazer, entregar e apresentar a minha monografia, que está mais enrolada que novelo de lã que virou brinquedo na mão de um filhote de gato siamês, mas está valendo. Não há mais aulas, não há mais bar, não há mais ver algumas pessoas que eu gosto diariamente, e trocar idéias, e conversar, e rir, e brigar, e dialogar. Sinto falta. Já agora olho algumas fotos, prédios, bancos e céus e lembro das mais diversas situações marcantes em minha ainda curta vida. O clima saudosista já me invade no auge dos meus vinte e poucos anos. Mas, já dizia a personagem Summer no filme "500 dias com ela": a vida acontece. O futuro só acontece quando o presente vira passado. É clichê, é feio, mas é real.

E estou velho. Não quero mais baladas. Não quero mais barulho. Não quero mais uma vida mais rápida que um asteróide atraído pela gravidade terrestre.
Ando querendo, e muito, ficar deitado, na maior preguiça possível do meu ser, conversando com alguém sobre a vida, sobre planos e até mesmo sobre pés. Tanto faz. Só cansei de me bastar. Quero uma preocupação maior que mim mesmo.

E agora cansei de escrever. Não no geral. Mas neste momento.
Não sou muito fã de não ter algo concreto, um assunto específico sobre o qual dissertar.
Não gosto de ficar me expondo assim, em textos. Prefiro a sutileza musical.
Nem irei revisar três vezes o texto, principalmente a gramática, como é de praxe eu fazer sempre.
Isso foi uma experiência única. Uma tentativa para aprender e nunca mais fazer.
O próximo post terá de ser pensado, trabalhado, recheado.
Nem que este blog sofra um hiato de horas ou anos.

sábado, 6 de março de 2010

Música

Música pode ser uma experiência realmente única dependendo de quem e como a executa. Algo, digamos, espiritual, de certo modo.
Você fica com um pensamento na cabeça. Aquela pessoa, aquela frase, aquele ato indesculpável, qualquer coisa que lhe atormente a calmaria e sente a necessidade urgente de uma via de escape.
Neste momento você senta. Na cama, no sofá, em uma cadeira, tanto faz. Pega aquele seu instrumento com o qual, ao longo de tantos tempos, obras e situações, adquiriu uma intimidade especial de troca, carinho, diálogo. Neste caso citarei um violão como exemplo, mas admito que "pulei a cerca" desta relação com baixos, teclados e até mesmo gaitas igualmente sedutoras.
Sua mão esquerda segura o braço do instrumento como se estivesse domando um animal. Não há mais distinção entre seu corpo de pele e sangue e este novo apêndice de madeira, cordas e vibrações: tudo é um só organismo.
Seus dedos da mão direita brincam com as cordas, sentem a força necessária para cada situação - a posição ideal, o som que jorra da concha acústica abaixo de sua palma - enquanto os da esquerda espremem as cordas, escolhem as casas certas, movimentos ideais.
A partir daí, tudo são notas. Todo desabafo, emoções e pensamentos vêm em forma de som, melodias, escalas. Aquela nota prolongada pra refletir, a batida forte pra embrutecer, a intensidade de volume aumentando e diminuindo conforme o clima, o momento.
Você, de olhos fechados e corpo em frenesi, dita as novas regras do mundo, as suas escalas, a sua melodia. E se há alguém tocando junto, é um cobertor de emoções costurado entre vocês. Sentimentos, vontades, verdades e bom-senso individuais entrelaçados para o bem maior, para a beleza geral da verdadeira máxima expressão: o orgasmo artístico da exatidão musical.
É um conceito quase sexual.
É o feeling.
É o sentimento.
É o romântico e o selvagem lado a lado esperando somente o seu sinal.
E tanto faz estar na cabeça da Estátua da Liberdade com transmissão ao vivo para o planeta inteiro em TV aberta ou sentado em um beco escuro, gelado e úmido sozinho: aquele é o seu momento individual, a única e verdadeira forma de expor quem é você, o que você pensa e sente.
Nenhuma outra forma de comunicação é tão completa.
O silêncio, o barulho, a harmonia.
Se para alguns conceitos ainda não existem palavras, existem notas. Aquelas ouvidas e entendidas.
E se, no fim da vida, estiver surdo, mudo e imóvel em uma cama de hospital, em minha mente ainda ecoarão as melodias de meu indivíduo. Hinos memoráveis expressando a verdadeira essência do meu ser.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Um dia carnavalesco

Foi em um dia de Carnaval. Feriado. Sem programas para fazer, decidi dormir até mais tarde. Porém não foi o que aconteceu. Mal completadas minhas tão necessárias 8 horas de sono, fui acordado com um banho de mangueira por um estranho ser desconhecido que tinha uma mancha verde na camisa. Atordoado por seus gritos de "vai, vai", levantei-me correndo e o expulsei porta a fora, sem nem questioná-lo por sua inimaginável entrada em meu lar. Só queria paz.
Não conseguindo mais dormir após o susto, decidi tentar tocar um pouco de piano para relaxar. Porém a música me parecia um tanto quanto diferente. Foi quando percebi que a estava tocando em tom maior, e não menor.
Irritado, achei que seria mais válido dar uma volta com meus amigos. Peguei o telefone e liguei para o Leandro (de Itaquera), para o Imperador (do Ipiranga) e pra sua namorada que carinhosamente apelidamos de Imperatriz, que era Leopoldinense. Juntos, nós quatro, com toda nossa mocidade alegre, pegamos o metrô rumo ao Tucuruvi.
No caminho, ao olhar despretensiosamente pela janela, avisto um beija-flor fugindo de uma águia de ouro. Pensei comigo "sorte dele, antes uma águia do que vários gaviões".
Chegando no destino, decidimos visitar o famoso Império de um conhecido nosso - o Casa Verde - que infelizmente estava no Rio de Janeiro - grande Rio! - resolvendo umas questões relativas aos arquipélagos que possuía (aparentemente, ele estava preocupado com a união da ilha). Já que sua casa estava vazia, passamos por pela pequena porta (alguém do grupo até fez uma piada, chamando aquilo de portela) que dava para um imenso jardim de rosas de ouro em sua propriedade. Havia também, perto da entrada da casa, um belo salgueiro.
Ali fizemos uma pequena festa particular até nos cansarmos e voltarmos para as nossas respectivas casas. Exausto, querendo apenas relaxar, dormir e sonhar, entrei no meu quarto e capotei na cama. Com a cabeça no travesseiro, senti algo me incomodando. Uma espécie de relevo me impedia o sono. Foi quando percebi que deitava em cima de uma pérola negra. O dia não podia ter acabado de modo diferente.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Prazeres cotidianos subestimados

Sentar em uma poltrona confortável, na sala de uma casa completamente vazia, em um dia relativamente frio (não aquele que te obriga a tirar do armário a sua mais grossa jaqueta, mas o suficiente para que alguém te lembre de levar um blusão por precaução caso saia para passear ao ar livre), e tomar uma consideravelmente generosa caneca de cappuccino quente ao som de um melancólico gemido de sax executando alguma obra clássica do jazz.

Sair para uma caminhada no início do dia, quando o Sol ainda não disfarça a timidez no horizonte e uma garoa insignificante apenas deixa o ar úmido, com as mãos no bolso da jaqueta, fones de ouvido reproduzindo sua música favorita, com passos curtos sem direção ou pressa e respirar significa gelar o peito e soltar fumaça pela boca.

Em casa, de pijama, e você sai na varanda do apartamento, décimo segundo andar, com braços cruzados se apoia na grade, uma perna sustentando o corpo e a outra tocando o chão apenas pelas unhas do pé, observando os pedestres, carros, casas, vizinhos que começam o dia, outros terminando, sons, luzes e a sensação de que, de fato, cada dia é diferente do outro.

Viagem longa em um trem velho e vazio, o último antes de fecharem as estações, as pernas esticadas nos bancos, um cotovelo encostado na janela para a mão fechada segurar a cabeça e um livro que lhe prende tanto a atenção que aquelas duas horas de trajeto passam em quinze minutos imaginários.

Abraçar alguém, sentido que a temperatura do outro corpo difere da sua, o cheiro do shampoo nos cabelos que agora se esfregam no seu nariz, ambos apertando tanto os braços que caso seus corpos fossem menos consistentes, fundí-los-iam.

Olhar para um bebê sentado em sua cadeira e, assim que os seus olhos encontram o dele, ele sorri e, não importando a distância, você ouve aquela profunda risada sincera e seu minúsculo corpinho se agitando de alegria e - vá saber porquê - você também acha graça.

Passar o dia andando, correndo, pulando, forçando os músculos até o limite da dor e cansaço e, chegando em casa, simplesmente deitar na cama, deixando o corpo se acostumar com a posição, sentindo o relaxamento muscular, a falta de exigência física, a energia carregada pouco a pouco em seu organismo.

Mesa de bar com amigos, verão, bebida gelada, petiscos levemente apimentados e as histórias mais engraçadas que voce já ouviu.

Starbucks.

Cinema.

Ir a um parque bem cuidado em um dia que o céu está completamente azul, roupas refrescantes, deitar na grama verde e conversar. E conversar. E repetir o verbo até a necessidade de uma água de côco ou um picolé de frutas chegar. E deitar novamente. E talvez brincar de comparar formas de nuvens com animais, objetos ou coisa parecida.

Encontrar fotos, cartas, bilhetes, lembranças de alguma época passada que você pensou ter perdido.

Ler ou ouvir uma frase muito boa, daquelas que você usa sempre que puder pelo resto de sua vida.

Achar dinheiro no chão ou no bolso de alguma calça.

Tomar um copo grande inteiro de milk-shake de ovomaltine do Bob's e, ao terminar, ficar mordendo e brincando com o canudo.

Receber mensagens de celular de uma pessoa que você gosta.

Escrever textos para se distrair.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Maybe ...

"do amor amuleto o que eu fiz?
deixei por aí...
descuidei, dele quase larguei
quis deixar cair"

Ao contrário do que Rodrigo Amarante escreveria a seguir em Paquetá (música do disco "4' da banda Los Hermanos), eu deixei, não peguei no ar, e hoje sou, sim, pá-furada.
Uma lição que, se eu pudesse, deixaria para a posteridade, é a de que em relação a algumas coisas você simplesmente não pode "pagar pra ver" e arriscar sair no prejuízo, como é o caso do amor.
Palavra já batida de quatro letras que todo mundo alguma vez usou, xingou, gostou, priorizou ou escreveu mas raramente entendida como algo que é "tudo que precisamos", conforme cantou um daqueles garotos de Liverpool que entrou no mundo com uma guitarra na mão, um sonho na cabeça, poucas moedas do bolso e acabou saindo dele com um tiro no peito e o nome na história.

O que eu quero dizer é que deveríamos dar mais valor às brigas, decepções, monotonias em noites de final-de-semana sem nada para fazer ou falar, consensos forçados e aos sacrifícios gerais. Não vou citar todas as coisas boas. Não pela pouca importância que têm. De modo algum. Sou o primeiro a defender desde os detalhes especiais e únicos que nos fazem lembrar de determinada pessoa nas cenas de um filme genérico de sessão vespertina na TV aberta quanto às imensas e apelativas declarações amorosas jogadas de um helicóptero acima do mar ou sobre altos edifícios de lotadas megalópoles para que todos saibam do fato consumado por duas pessoas que prometem agora passar o resto da vida na alegria e na tristeza. Mas como muito otimismo já foi escrito, não quis causar inveja nas chateações características diárias de cada indivíduo, verdadeiras responsáveis, na minha humilde, jovem e ainda prepotentemente ignorante opinião de obscuro escritor aspirante a filósofo amador de uma vida sem respostas prontas ou caminhos certos, pela diferenciação básica entre àquela ridicula e falsamente perfeita personagem hollywoodiana previsivelmente encaixada no atraente produto "felizes para sempre" e a sua parceria nas tristes noites frias e preocupadas rumo às apaixonadas incertezas futuras de qualquer relação saudável.

O grande problema central é quando toda esta teoria maluca sem pé nem cabeça é criada depois de confirmado o fato. Quando só após a perda você dá valor ao que já tinha ganho. E aí você quer voltar atrás. Quer contar. Convencer. Acreditar. E não consegue.
Não consegue porque tempo demais passou. Não pra você, que agora busca incessantemente um modo de redimir o tempo perdido, mas para a outra pessoa, que ficou tempo demais na estação esperando o trem e percebeu que o seu modo de transporte não é o único capaz de levá-la ao seu caseiro destino de felicidade.
Não consegue porque quando a palavra escapa à língua, o máximo que você faz é abrir suavemente a boca sem emitir som algum. É o silêncio comprovando o erro, distinguindo os gagos de nascença dos de covardia.
Não consegue porque a pá usada para enterrar o casal foi a mesma que cavou o abismo que os separa da ressurreição.
Não consegue por medo da rejeição, do fracasso, do medo da comparação com o hiato entre "estarem juntos" e "juntos novamente".
E por fim, não consegue porque, por mais que a faca da realidade lhe cause espasmos de revolta e dor a cada golpe, e sua pesada nuca arrastada de culpa e ingratidão não tire proveito de um bom e cheiroso travesseiro delicadamente arrumado em um fantástico colchão de espuma, você é obrigado a admitir que a sua ausência foi o melhor para o outro lado. Que a pessoa nunca esteve tão feliz e nunca aproveitou tanto os magníficos momentos que o curto trajeto de nossa cruel e estúpida existência proporciona. Que a sua frequente companhia não lhe serviria mais do que uma bola de aço amarrada em suas frágeis e lindas pernas quentes. Que o jogo inverteu e a decisão de colocar ou não algo a perder não cabe mais a você. E que palavras futuras jamais apagarão fatos passados.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Quando tudo era mais fácil ...

Não vou dizer que minha vida é muito difícil. De fato eu deveria mais é me ajoelhar, com os braços levantados em direção aos céus que me doam Sol, nuvens e raras estrelas cadentes, e agradecer com força e sinceridade àquele que uma vez me disseram ser credor de meus moldes, tanto em imagem quanto em semelhança. Mas ainda assim houve um tempo nada distante onde tudo era muito mais simples. Não necessariamente mais fácil, já que este conceito é muito atrelado às realidades individuais do ser humano e suas limitações, mas com certeza com menos preocupações.

Uma época onde a maior dor de cabeça era não dormir demais e perder o horário de entrada na aula. Ficar acordado até as cinco da manhã comendo frutas, doces e lanches em frente ao computador, ouvindo a sua banda favorita em seus fones de ouvidos baratos, encostado no travesseiro que complementava sua confortável cadeira (isso quando não estava frio e você pegava aquele seu edredon aconchegante e se transformava em uma pequena múmia vermelha de lã, encasulada em si mesma neste Egito de egoísmo que a rotina de bon-vivant lhe proporciona), jogando conversa fora em janelas de MSN, páginas de orkut e fóruns variados. Horas no telefone pago por alguém que não era você, e substituído eventualmente por mensagens de texto compridas que nem sempre traziam um conteúdo necessário para justificar o gasto daqueles cinquenta centavos que não eram seus. Cinemas, parques, ruas, exposições e todo tempo do mundo para matar fora de casa, tudo naturalmente entendido por quem se estrangulava doze horas por dia em trabalhos massantes para que você simplesmente não quisesse passar o pouco tempo livre que lhes restavam em sua companhia, contando os fatos dos seus dias, sonhos e histórias até então desconhecidas; e ainda não descontavam do seu débito emocional toda sua grosseria injustificável nos cinco minutos diários juntos, tudo porque você queria sair justamente os mesmos cinco minutos mais cedo, para passar mais cinco minutos longe fazendo cinco minutos a mais de qualquer outra coisa. Casquinhas mistas do McDonald's, na praça de alimentação de um shopping center, rindo dos frequentadores locais, em uma quarta-feira à tarde, enquanto não chegava a hora do filme cujo ingresso era mais barato naquele dia, e por causa disso vocês chegaram mais cedo que o normal para garantir um lugar na sala escura; permanecer mudo e beijando pelas únicas e máximas duas horas na qual deveria assistir ao longa-metragem e, por ter entrado na fila antes e ter dinheiro, provavelmente tirou o direito daquele cinéfilo que se atrasou por ficar preso no trabalho a assistir a produção cinematográfica naquele mesmo momento. Sentar no sofá e olhar para o teto. Uma camiseta nova bem legal para a festa do final de semana. O próximo churrasco, bares e rodas de violão noturnas com uma garrafa de vinho vagabundo ao centro. Abraços demorados cheios de choramingos distribuídos como provas de amizades no fundo desnecessários para aqueles que reconheciam a veracidade daquilo tudo, mas padronizados pela banalização dos gestos bonitos nas relações superficiais que sempre confundem "olá, tudo bem?" com "eu te amo", toda a encenação tornou-se essencial.

Não havia ainda formaturas, salários, planos, dependentes, taxas e jornais. Adulto era somente aqueles que criavam obstáculos para a diversão, e não a imagem refletida pelo espelho ao sair do banho e se arrumar para a próxima entrevista de emprego.

E agora é o futuro. Dinheiro e futuro. E relacionamentos sérios que acabam paradoxalmente pela falta de seriedade.
Pra mim a vida é um varal. Os problemas-lençóis-brancos-limpos esperam o calor ambiente da paciência/experiência para secá-los enquanto, molhados, apenas fazem peso sobre nós. Uma hora ou outra a corda perde o jogo contra a gravidade. Basta saber quantos estão dispostos a fazer a força necessária para segurar o lado que arrebentou.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

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Imagens recentes. Cotidiano. Mediocridade. Análise. Revolta.

Cobradores de ônibus ex-punks infelizes com a atual realidade, consequente do descaso com o futuro próximo e prioridade excessiva para guitarras distorcidas, botas sujas, camisetas rasgadas e teorias conspiratórias/anarquistas.
Topetes tingidos, oratórias precárias que desvalorizam a imensidão da língua materna, marcas de surf e músculos doentemente fortificados expostos para esconder a deterioração mental.
Saias, shorts, pernas, cores, pop art, iPods, Zíbia Gasparetto, cabelo chanel e ombros.
Óculos escuros, frutas nos lábios semi-abertos, sorrisos, malícia, duplo sentido, ângulos fotográficos tendenciosos e niveis culturais irrelevantes. Comparações absurdas.
Estradas, aviões, computadores, cds e tensão.
Um casal e uma menina de aproximadamente três anos que se divertia como nunca em um show de rock alternativo em um sábado à tarde no Centro Cultural da Cidade de São Paulo.
Grupos musicais florescentes, encobrindo a música padrão-melada-nada-original com combinações de um vestuário que mais parecem uma caixa de 24 cores de lápis aquarela da Faber Castell, além dos bicos, poses e mãos para muito romance descartável e pouco conteúdo verdadeiro.

Falta cultura. Falta interesse. Procura.
Muito contentamento para pouca constestação.
Faltam diferencial, letras, harmonia. Falta pensar. Trabalhar. Querer evoluir.
Sobra virtuosismo.
Encadeamento básico de acordes. Sequências idênticas usadas em discografias inteiras.
Sobram mesmices e rimas com verbos no infinitivo.

A cultura nivelada pelos dez mais lidos na revista Veja.
Tesouros esquecidos. Renegados. Exóticos demais para quem deseja pensar de menos.

Entristece não poder respeitar muitas das opiniões.

O alternativo é proporcional à preguiça mental humana.

domingo, 31 de janeiro de 2010

17

Aquela sensação de estar sozinho mesmo sabendo que não está. O assustador contrário da paranormalidade que tanto inspira ficções cinematográficas. O sentimento de estar solitário no topo do Everest com o mundo inundado ao ponto de a água molhar a sola de suas botas de escalada.

Não que eu realmente não tenha ninguém. Pelo contrário, tenho amigos que morreriam por mim e que sabem da reciprocidade do sentimento. Tenho uma família que sempre se propôs a tirar o oxigênio dos próprios pulmões caso disto dependesse a minha felicidade. Pessoas, pessoas, pessoas. Não somente aquelas faces sem verbos ou timbres que enfeitam as fotos antigas de turmas não continuadas do colegial ou de uma viagem louca e inesperada pra algum território distante e inesquecível, mas seres humanos com toda a complexidade que tais relacionamentos verdadeiros exigem.

A questão é ter com quem compartilhar sentimentos mais íntimos. Nada destas superficialidades carnais, que não perdem a importância e muito menos a necessidade, mas que não entram agora no meu contexto semi-neurótico-depressivo de uma madrugada de sábado. Falo de alguém para fazer massagens nos pés quando estes forem maltratados pelas exigências diárias e implorarem por um conforto já esquecido entre sapatos, meias, calçadas e buracos não previstos. Alguém para quem eu disfarçe o garrancho na hora de enfeitar um papel de carta colorido com rimas e significados exclusivos de nós dois. Uma mão quente de unhas pintadas para elogiar estranhamente, comparando a tonalidade do esmalte com a sua palheta favorita que perdeu ao deixar em cima de um amplificador durante aquele show noturno de bebidas, rock e brincadeiras. O número de telefone mais recorrido de toda sua agenda. A pessoa pra te acusar de não prestar atenção em nada do que ela diz, quando o fato é que você queria lhe contar que sua memória se confundiu por, na verdade, prestar atenção a TUDO que ela diz, e assim embaralhar fatos, fotos, datas, razões, nomes e prioridades, mas no fim você só balança a cabeça e reconhece o erro, ou equívoco, ou seja lá qual for o nome dado porque a embalagem já não é mais tão importante quanto o produto final, e nunca foi. O wallpaper do seu celular, para admirar a todo instante. O lábio inferior que você morde. A coluna saliente que a palma da sua mão identifica no carinho. A causa daquelas crises de ciúmes que te impedem de ter um sono decente, visualizando o impossível em pesadelos críveis dentro do contexto desta insanidade saudável de carência simbiótica que carinhosamente apelidamos de amor.

A ociosidade mental me incita estupidez.
Erros, substituições, experimentos, máscaras e citações nunca levam ninguém a lugar nenhum.
E continuo nada sabendo e de tudo me enganando nesta brincadeira.
Por mais implícita que seja, a positividade é sempre existente: se meus passos tivessem ao menos um quinto da certeza e a estética de minhas frases, eu nunca as escreveria.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Escrevendo sobre algo impossível de ser descrito plenamente ...

Escuridão parcial, daquelas suficientes para não reconhecer exatamente os objetos mas ainda assim saber que há algo lá.
De barriga para cima, coberto e contemplando o silêncio da madrugada, espero o sono vir.
No teto, as poucas luzes oriundas de lâmpadas acesas na rua invadem o meu quarto pelas frestas da janela, que originalmente serviriam apenas para possibilitar a circulação de ar entre o ambiente interno e o externo. Aparentemente a luz não se importa com as finalidades criativas humanas, então me concentro apenas em observar a projeção desta "janela luminosa" que paira exatamente sobre minha cabeça.
Sem mais nem menos, um vulto aparece na imagem anteriormente descrita. Uma sombra totalmente negra e de forma bem humanóide se apresenta como aquelas marionetes que fazemos quando crianças, com uma laterna em frente à parede. Começo a estranhar.
Com a cabeça inclinada, a figura levanta um dos braços e com dois dedos faz um sinal me chamando, como que para seguí-lo. Estremeço.
Como se o meu medo crescente não fosse absolutamente nada relevante, a imagem então começa a brincar de gestos, sabendo que eu a observava e não me movia. Faz, com os mesmos dois dedos que antes me chamavam, uma imitação de pessoa caminhando e reveza esta gesticulação com o convite de antes.
Viro minha atenção para o lado direito da imagem no teto, onde agora há duas cabeças humanas me olhando. Masculinas, carecas e transparentes, são estáticas e sem feição alguma. Acho tudo muito estranho e logo me indago, em voz alta, se tudo aquilo não se tratava de um sonho. Imediatamente, como que ativadas pelo meu medo e curiosidade, as duas cabeças gritam, frenéticas e em tom de deboche provocante, afirmando que aquilo era sim um sonho. E quanto mais concordavam com a minha suposição, mais amedrontado eu ficava e, proporcionalmente, mais as duas cabeças flutuantes utilizavam caretas e sotaques para me encurralar psicologicamente.
Procuro um auxílio em meu irmão, sabendo que dormia na cama ao lado e, se tudo aquilo realmente estivesse acontecendo, ao menos dividiria o sofrimento comigo.
Ao virar a cabeça para direita, vejo que meu irmão também está, do mesmo modo esquizofrênico (útil em um manicômio, mas não em uma madrugada de domingo), gritando que era sim um sonho, que era sim, que era, sim, sim, sim.
Então, entre a cama do meu irmão e a minha, como se ali fossem apenas as bordas de uma piscina, surge um busto de um garoto vestido em azul, se apoiando com os cotovelos na cama ao lado da minha e balançando a cabeça concordando com o que diziam as duas figuras do teto e meu próprio irmão alucinado. Não consigo ver até então como era o garoto, apenas sabendo que era isto mesmo pelo corte de cabelo, tamanho e modo de se vestir.
Neste instante, o som similar ao de milhões de abelhas enlouquecidas invadem o meu ouvido. Fico atordoado, com medo, paralizado, tenso e horrorizado com tudo aquilo.
Talvez pressentindo a densidade que esmagava meu peito e me impedia de clamar por socorro, o garoto parece querer me revelar o seu rosto. Extremamente lento, o garoto vai subindo a cabeça, jogando-a para trás pouco a pouco, até a hora em que vejo o queixo dele e sua testa substitui o que antes era a nuca.
Seus olhos são dois poços infinitos de brancura. Não há íris, não há nada. Só branco, branco e branco. E irritação em sua volta, como se aqueles olhos nunca tivessem sido protegidos por pálpebras e agora demonstrassem o cansaço a e dor de não cochilar.
Contente com o acordo quase unânime entre os presentes quanto ao meu estado de sonho, o garoto balança a cabeça de um lado para o outro, ainda na desconfortável posição jogada para trás, e então tira a língua, com o dobro do comprimento natural humano, de dentro da boca e a move igualmente.
Então eu não me contenho e tento gritar.
Até então eu mal conseguia falar. Só quando muito me esforçava eu conseguia soltar alguns gemidos baixos e inaudíveis.
Mas nesta hora nenhum amplificador profissional poderia competir com a potência de minhas cordas vocais.
Dou um grito desesperado e acordo, às 5 da manhã, no mesmo quarto que serviu de cenário para o meu pesadelo. Demoro horas pra dormir e me contenho em dizer que estava apenas sonhando quando, no dia seguinte, me perguntam o porquê do rugido desesperado da madrugada anterior.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Tiê, internet e um pouco de francês

Não sei quantos vão ler. Não sei nem exatamente o que vou escrever. Só sei que este parágrafo inicial já foi escrito e desfeito tantas vezes que ninguém poderia sequer supor o número real. Então fico com este, já que nenhum seria bom o bastante pra demonstrar a minha falta de habilidade, nas linhas a seguir, em descrever uma amizade que, apesar de ainda jovem, já está marcada por vários momentos de grande intensidade.

Tudo começou na curiosidade de saber quem era aquela menina loira e misteriosa sentada ao meu lado, de camisa xadrez vermelha e óculos. Quieta, analítica e atraente.
Muito tempo passou sem eu nem saber o nome dela. Mas ainda assim insistia comigo mesmo que, apesar de toda a minha falta de jeito e anti-sociabilidade, um dia iria ao menos desenvolver um diálogo decente com aquela figura.

Realmente não sei como, quando ou o porquê de começarmos a conversar. Provável que algum recurso em comum da internet (que descobriria mais tarde ser um dos grandes vícios dela) tenha cruzado nossa frente. Mas o que importa nesta primeira etapa da história é dizer o quanto foi legal isto ter acontecido. Eu não tinha noção de que estava pra conhecer uma pessoa de grande importância pra mim.

Diálogos por horas pela internet, mensagens de celular e afins e descobrimos uma relação agradável, sincera e com muito escambo cultural. Em uma das infinitas conversas, combinamos de assistir uma artista que gostávamos em comum. Se o show foi legal, passar um tempo conhecendo-a melhor foi indescritível. Risadas, gestos, apresentações e um dia pra lá de memorável.

E, como uma Ferrari sem freios descendo uma imensa ladeira em dia de chuva, me pareceu que as coisas estavam deixando para trás a velocidade da luz, tamanha rapidez e brevidade entre fatos, dias e contos. Festas, baladas, sorrisos, shows, ensaios, família, casas, filmes, músicas e comecei a ver as coisas por um prisma diferente. Caminhar nas ruas rindo de abacaxis, bonobos e direções confusas. Jazz, Stellas e comédias de improviso.
De repente sua presença virou minha nicotina. E se passar o tempo junto fossem seus adesivos, eu já estava quase tirando o filtro da cigarrilha. De uma hora pra outra viramos a boa companhia para ver aquele filme alternativo com um edredon.
Eu sempre estive consciente de que procurava o acesso de uma avenida através de uma rua sem saída. Mas sussurrar "petit chansons" em plena madrugada é mais perigoso que o Bin Laden na presidência da American Airlines. Acabei gostando.

Como toda boa história que se preze, há momentos tristes. Mas estes não ganharão lugar aqui. Pelo menos não oriundos de meus dedos e teclado. Se brigas, mágoas e talvez certa decepção tentaram infectar alguma vez este organismo chamado amizade, o riso característico de seus momentos de felicidade, a serenidade dos atos cotidianos e toda a consideração e carinho imensos adquiridos até aqui são o antibiótico perfeito para minhas noites de sono tranquilas e saudáveis.
O que importa, daqui em diante, é o agora. É a sinceridade (abundante em sua personalidade forte)! É uma amizade legal, divertida e cheia de histórias. Uma amizade presente e recíproca. Onde ambos se preocupam pelo bem-estar do outro. E sempre estão lá quando necessário.

Eu realmente sinto muito se deixei coisas de fora, ou se era esperado um texto melhor. Mas acho que, entre nós dois, muito bem sabemos de toda importância, carinho e cuidado que temos um com o outro. Esta é uma relação de amizade que realmente gosto e que cultivarei até o fim das forças.
Tanta coisa que queria escrever e achei que não podia. E tantas que nem precisei porque você já as sabia. Mas tudo isso foi só um jeito de enfatizar como você também é muito especial pra mim e merece tudo de bom na sua vida. E como ficarei feliz em aplaudir, de pé e alegre, cada sonho seu realizado.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Para pés delicados!

A população da cidade de São Paulo pode ficar mais tranquila agora: os delicados e frágeis pés do topo da elite paulistana estão agora sob excelentes cuidados profissionais, tudo grátis, com organização da prefeitura de São Paulo e então, pela lógica matemática das coisas, pago diretamente com nosso querido dinheiro. Então não fique desanimado: a próxima vez que seu chefe pisar em você, ao menos haverá a certeza de que o investimento retornou a você! É o povo zelando pela ótima condição física daqueles que nem o sobrenome da empregada doméstica, que todo dia viaja até seus sumptuosos lares para deixar o local extremamente higienizado, organizado e ainda por cima aquecer o seu alimento diário, sabem!

Digo isto pois acordei hoje de meus belos sonhos desconexos e me deparei com uma reportagem do SPTV sobre aulas gratuitas de spinning, promovidas pelo evento Bike Tour, no município de São Paulo. Um detalhe curioso é o local escolhido para tanto: o shopping Morumbi, na zona sul da capital, onde, como todos sabemos, a população realmente é muito carente e não têm condições de bancar uma academia, equipamentos de ginástica e professores particular.

Indo no site oficial do evento, é possível ver os lindos logotipos da prefeitura e do governo de São Paulo homenageando tal mobilização e se dispondo, inclusive, a organizar as ações do que lá estão nomeados como "parceiros".

É comovente a preocupação com o bem-estar da população.
Bairros como o Morumbi, Brooklin e laia adjacente precisam mesmo deste tipo de gasto.
A alimentação, hospedagem, educação e auxílio aos moradores de áreas devastadas pelas recentes chuvas podem esperar. Não é tão importante quanto a malhação de algumas esposas de ricos empresários que só pedem pela queima daquelas calorias adquiridas por aquele gigantesco pedaço de torta de morango com chantily comprada na doceria enquanto esperava que o lindo cachorrinho da família terminasse o seu banho semanal no Pet Shop da região.

Não entendo como alguns podem criticar estas atividades. Eu, particularmente, quase chorei quando uma pedagoga sorriu, toda realizada em frente as câmeras, e disse estar "sentindo que fez o dever de casa".
E vocês ainda querem levantar monumentos parabenizando trabalhos precocemente interrompidos como os de Zilda Arns? Martirizar charlatões como aquele filho hippie de marceneiro que vagabundeava com mais doze amigos e foi muito bem preso, julgado e condenado à cruz? Que indecêndia! Sejamos solidários e tenhamos bom senso: que prioridade seria maior que a satisfação egoísta de uma endinheirada às custas de indivíduos como nós, pés-rapados?

Sugiro que, ao menos dessa vez, façamos um pequeno sacrifício. Dessa maneira, ao levarmos um chute no traseiro após rastejarmos por quadras e quadras em busca de um emprego qualquer, mesmo que humilde, mas que nos sirva para ao menos tentar pagar as dívidas e manter uma certa áurea de dignidade, saberemos, assim, que foi feito pelas pernas exercitadas de um glutão saudável.

Mente ... Ira ... Mentira

Engraçado como algumas vezes nós só realmente percebemos se gostamos ou não de alguma coisa, ou se a queremos ou não, quando é tarde demais. E desta vez a redação é sobre algo consideravelmente mais fútil que o amor.

O dia daquela balada que você tanto esperava ir finalmente chegou. Banho, perfume, barba feita, fila e começa a brincadeira.
No começo a sensação é bárbara. Tanto tempo que você não aproveitava para se divertir, "tirar ondinha", enfim, não ligar pra problema nenhum e seguir a intensidade do momento. Você já havia bebido umas cervejinhas, então alegria não era o problema.

Entrando pelas portas, a cena é o óbvio e verdadeiro estereótipo de qualquer estabelecimento do tipo: a escuridão disputando seu lugar com os flashes psicodélicos como se um prêmio fosse prometido ao vencedor, sofás públicos esmagados por corpos libidinosos atuando uma atenção ao diálogo como se realmente houvesse prioridade entre o amor verdadeiro e a diversão casual, a música frenética tão densa que você pode carregá-la nos próprios ombros como um Atlas mitológico confundindo a Grécia com uma pista de dança qualquer, as silhuetas virtualmente indistinguíveis seguindo o fluxo musical e criando uma linguagem única e inexplicável como só a raça humana é capaz de fazer. Excelente.

Nâo precisaria mencionar que a primeira parada nesta longa estrada é o bar, mas assim faço por vontade descritiva.
É impressionante como uma simples estrutura divisória se assemelha mais a uma doce bala que cai em cima de um formigueiro do que um obstáculo construído em favor da organização geral.
Entre eu e toda humanidade expremida no local não há mais nenhuma individualidade quando a questão é a busca por líquidos (alcoólicos ou não). Como tentamos em vão atrair a atenção das garçonetes, neste momento, absolutamente não nos difere a recém-nascidos frios e famintos clamando pela urgência da mãe displicente.
Consigo a minha tequila. É dada a largada.

A música ruim até seria irrelevante na possibilidade de conhecer alguém legal. Alguém? Conhecer? Como se aprofundar na vida alheia quando surdos e sem vontade de buscar outros modos de expressão? Como se interessar de fato nas feições, roupas engraçadas, hábitos estranhos e cicatrizes de personalidade de uma pessoa se estão todos perdidos entre olhares, lábios, mãos e sentidos elevados artificialmente? Não. Minha vida agora é de presidiário: em silêncio, sentado, com leitura em dia e ambiência sonora de qualidade (apesar de a mesma ser relativa e duvidosa). Não sou mais uma coruja, indiferente à selvageria do breu e comunhão de organismos sem gênero/número/grau para finalidade reprodutiva, perdida na própria boemia. Minha barba por fazer coça, reflexo da mente igualmente irritada pela dúvida de estar ou não ali.

Estar com os amigos é ótimo. Este é o lado bom e o antídoto para o meu prazer. Conversas, piadas, histórias. A intimidade faz com que um resmungo soe como poesia cotidiana, daquelas que lemos em placas de caminhão e julgamos como ordinárias, mas que no fundo sabemos que é a realidade. Compro minha segunda ou terceira Heineken.

No meio do período de permanência já me encontro em angústia.
Por que não é mais tão legal quanto antes?
Eu esperei e quis tanto estar aqui para agora reclamar? O que aconteceu?
A vida aconteceu ...
Depois de broncas divinas, estômagos de aço e perdas irremediáveis, não há mais graça nisto tudo. Meu sinal já é amarelo e toda a pista livre não é de grande valia se não pretendo avançar pra segunda marcha. É fazer comédia em frente ao espelho.

Depois de um tempo, minha vontade é de escrever. Mas sem papel, caneta ou espaço, meu cérebro vira um bloco de notas. Inútil dizer que em pé no meio da multidão e cercado pelo som alto, eu estava - vamos assim dizer - escrevendo na superfície da água. Como chegavam, as idéias iam. Bumbo, bumbo, caixa e meu versos se misturavam com a melodia que pairava. Rima, prima, imprima, guitarra, baixo, grito, cadê o silêncio, cadência, lenço. O que tinha pensado? Tenho que terminar o meu livro do Jack Kerourac que deixei em cima da cômoda ao lado da minha cama no apartamento do meu pai. Opa! Onde vocês estavam? Está tocando Oasis? Aquele cara sim sabia escrever. Kerouac. E pensar que ainda tem outro livro dele que comprei. Sim, sim, vamos pegar mais cerveja. Minha mente, meus textos, minha fala se embaralham e eu não consigo pensar e nem pedir truco. Não que eu estivesse jogando. Mas hoje em dia não passa disso, não é? Jogos. Blur. New Order. E a nova ordem é fingir que está tudo bem. Olha só aquela lá! Ah, não, de jeito nenhum. Dança. Bagunça. Heineken. O meio no fim. E depois a revisão da metade. Um grupo de meninas. Os olhos. As poses. Que piada. Me dê uma folha de papel e uma caneta. Não vou pedir, mas eu queria. Aceito cigarro, cigarra, se agarra aí que eu não quero mais nada. Queria paz, mas atualmente estou aceitando até pás pra me enterrar e sumir. Caótico e sem ordem cronológica já nem ligo pra sintaxe de imaginação e decência de coordenação. Vistoria na fila do banheiro indagando se é "cocaine" ou normal. E eu só quero ir no banheiro, licença, por favor? Farto dos fatos sem fotos, e de toda essa sonoridade das palavras. Pseudo-argentinos forjando sotaque para conquistar presas. Mais Heineken. Mais poesia na minha mente. Menos rimas, menos ardente. Cansei, quero ir embora para poder dar sequência ao meu texto, algo que não cheire fumaça e tenha uma ordem legível pra quem quiser decifrar.

Fora da balada finalmente.
Sendo honesto, não gostei.
Bem legal unir o pessoal. As brincadeiras. Os registros.
Mas minha fase agora beira a espiritualidade sem título.
Esperamos o metrô abrir contando casos e rindo.

Casa. Cama. Sonhos. E o tic-tac mecânico do meu relógio-disco-de-vinil com foto dos Beatles como único compasso regente ecoando em meus ouvidos. E eu, recluso por um bom tempo.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Matemática desesperadora

Filosofando neste sábado à noite, acabei por fazer cálculos que realmente me deixaram assustados.
Me acompanhe:

- O sono humano deveria, teoricamente, ter em média uma duração de 8 horas diárias.
- O movimento de rotação terrestre, responsável pelo padrão do que consideramos a duração de um dia, demora 24 horas para se completar.

Considerando estas duas frases temos que, em um dia (de 24 horas de duração), dormimos oito horas.
Dormir por oito horas, indica que nos sobram para fazer TODO O RESTO, 16 horas diárias.
Se você pegar o período de três dias, temos:

- 3 x 8 horas de sono = 24 horas de sono
- 3 x 16 horas que sobram = 48 horas que sobram

Ou seja: a cada três dias, você passou um dia inteiro dormindo e somente dois dias para VIVER. No período de um ano, você passa aproximadamente 121 dias dormindo. Considerando que tenho 21 anos, eu passei, em média, 7 anos DORMINDO!!!

Eu não quero tirar a importância do sono, nem nada parecido. Mas me desespera saber que a cada três dias, eu só tenho dois para realmente viver. Para ver, ler, ouvir, sentir, cheirar, conhecer, pensar, contar.

Nós humanos só VIVEMOS, realmente, dois terços de nossa vida.
Gastamos um terço de nossas vidas, 33,3% aproximadamente, deitados em uma cama, sonhando, dormindo, inconscientes. Perdemos todo este tempo sem nos acrescentar nada além de um pouco de energia.

Isso me assusta.

Sábado

Você acorda. Meio tonto, todo confuso, sem saber exatamente quando, como e porque. Imagina apenas ser relativamente tarde, pois o intruso Sol consegue de algum modo iluminar consideravelmente o seu quarto, apesar de a janela estar fechada. Já é possível distinguir móveis, objetos e espaços vazios.
Levantando, procura o relógio mais próximo pra saber a hora exata.
Pega o celular sem nenhuma ligação ou mensagem nova e se espanta ao descobrir que já é uma hora da tarde.
Sai do seu quarto atordoado pela abundância de luz que visita a sua sala, com a delicada e inconveniente permissão da janela de cortinas abertas.
No banheiro, lava o rosto para despertar verdadeiramente para o seu dia.
É sábado.

Já é de tarde. Sua mãe está toda cansada voltando do trabalho e abre a porta de casa para poder descansar no exato momento em que você está tomando o seu café-da-manhã, se é que assim pode ser chamado.
O clima está bárbaro. As poucas nuvens no céu dão um toque de casualidade ao horizonte, como se um artista resolvesse rabiscar em cima da própria obra para ela não parecer tão perfeita.
Mas a vontade de realmente fazer algo que exija o mínimo esforço de pegar o elevador e colocar os pés na calçada é quase inexistente. Falta objetivo. Falta um motivo para valer qualquer dedicação. Resolve que seu dia será light. Que não será um dia nulo mas que também será desnecessário fazer uma placa em sua homenagem.

Liga a televisão e consta o que já desconfiava: não há muitos programas interessantes no horário. Dois episódios de Friends assistidos e só. Ainda passei por um filme que já estava na metade (I Am Sam). Até gostaria de assistí-lo, mas se visse o final, me desanimaria alugá-lo para ver desde o começo. O que me valeu foi a lembrança de uma pessoa. A que me indicou o filme. Que me disse que é lindo e chorou. Aquela que ultimamente invade meus pensamentos em cada pequena ação cotidiana, me faz refletir sobre minhas ações e indagar sobre minha própria ignorância e covardia perante a vida. Enfim ... Ainda existem os livros.

Sentando no sofá, continua a leitura de Tristessa, um pequeno porém interessante livro de Jack Kerouac, comprado com R$ 8,00 em uma livraria Nobel no dia anterior, quando fiquei preso em um shopping center esperando a chuva cessar para poder ir pra casa.
Algumas páginas sobre um americano apaixonado por uma prostituta mexicana viciada em morfina, inspirações para músicas e aprendizado descritivo para futuros textos e estou pronto pro almoço.

Macarrão, sardinha, guaraná e uma carambola depois e me sento em frente ao computador. Twitter, orkut, alguns blogs, conversas no MSN, todo o disco do Little Joy pela milésima vez. Se isso não é vida boa, eu não sei o que é.

O dia não poderia ser completo sem um banho decente para anular o calor ambiente que, selvagem como raras vezes, me incomodava.

Para variar um pouquinho, sento novamente no sofá e coloco para rodar o DVD do show dos Los Hermanos na Fundição. Um excelente show. O último deles. Um memorável registro de uma das melhores bandas nacionais de todos os tempos. E a frase "e até quem me vê lendo jornal na fila do pão sabe que eu te encontrei" cantanda delicadamente por Rodrigo Amarante me remete ao passado, quando era eu quem recitava a mesma. Chega de DVD. Hora de computador novamente.

E aqui estou. Já ouvi Joy Division. Já ouvi Moldy Peaches. Já ouvi novamente Little Joy.
Não há recados no orkut, as janelas do meu MSN mal piscam.
Resolvo então escrever um post à margem da total futilidade para me distrair. Não há muito pra contar. Até existem coisas para analisar. Notícias, fatos, fotos. Mas qual o ponto também? Poucos lêem isto aqui de qualquer modo.
É mais um exercício de linguagem, um treino de digitação, uma atividade de aquecimento para a minha retórica do que um desabafo virtual ou documento de interesse público cheio de conteúdo e importância.
Outro dia eu escrevo sobre coisas mais importantes.
Hoje eu só queria simplesmente escrever mesmo.
Era isso ou sobre alguma etiqueta mal-colocada de um suéter verde musgo usado jogado no balcão de promoção em um pequeno e desconhecido brechó no centro de uma cidade interiorana. Optei pelo mais fácil.