quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Brincar

Sentado na poltrona do avião, ele afrouxa o nó da gravata. Seis horas no aeroporto esperando a conexão acabaram com qualquer resquício de humor no seu dia. Discretamente, tira os sapatos e sente pela primeira vez em tempos, mesmo que por segundos e de meia, os pés livres em contato com o chão.

Da maleta, tira o notebook já carregado para trabalhar. Alguns relatórios não foram concluídos, gráficos precisam ser refeitos e aquele e-mail prometido para a supervisão já está atrasado. Antes de tudo, abre a pasta Músicas de seu HD, insere o fone de ouvido no local correto e relaxa ao som de sua banda preferida. Menos de dois refrões depois, já está digitando freneticamente nas incontáveis páginas e documentos exibidos na tela.

O vôo parte.

Em meio ao caos de idéias e labutas virtuais, uma janela diferente aparece na barra de tarefas, piscando constantemente sua cor alaranjada. No MSN, sua esposa dialoga com o marido já duas semanas ausente devido à rotina nômade que sua carreira lhe impõe. Saudades são explicitadas, singelas declarações trocadas por palavras pesadamente simples de quem por tempos já disse de tudo.

...

De repente, um barulho. O avião começa a tremer como um epiléptico na cama durante um terremoto. Ele se agarra aos braços da poltrona, respira fundo, e tenta permanecer calmo... As luzes piscam.

Sacudidas e balanços maiores. Pulos. Sobressaltos. A tripulação não esconde a preocupação que se espalha também entre os passageiros.

Pela janela à esquerda, dois imensuráveis furacões negros pairam sobre o oceano. Em meio à ambos, a aeronave sofre pelo cabo de guerra gravitacional entre ela, os dois e o chão.

Rodopios, objetos voando, desespero. Máscaras de gás foram liberadas e a certeza da morte é cada vez maior. Ele grita. Pensa em tudo que viveu, tudo que poderia viver. Pensa nos filhos, na casa, na mulher. Naquela promoção do trabalho. Nas contas do fim de mês. No pudim que ficou na geladeira e que prometeu a si mesmo pegar um pedaço quando voltasse.

Mais rápido e mais intenso, o avião desce rumo à terra em uma velocidade cada vez mais aterradora. Chamas maiores que homens explodem das asas e demais estruturas. Desmaios, convulsões. Ele, por si só, pálido e imóvel diante de tanto absurdo. Um pássaro de metal morto caindo dos céus. Quando o bico da nave já está quase alcançando a altitude zero, tudo pára!

...

Uma criança, com três anos de vida e menos ainda de experiência, olha para cima. Ao ver a mãe chamando seu nome mais uma vez, deixa os brinquedos espalhados no quintal e segue correndo em direção à porta, interrompendo a aventura na hora do jantar.

Brincar é a coisa mais séria que o ser humano pode fazer.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Poesia etílica

Rancor? Licor!
Alegrinho? Então vinho!
Arrisque: uísque!
Mas veja: cerveja não é tranqüila? Tequila!
Mais um? Rum!
É craque? Conhaque!
Sem lógica? Vodca!
Faminto? Absinto!
Para quê? Saquê!
Está afim ou quer gim?
Poema sem graça? Cachaça!