quinta-feira, 1 de março de 2012

Churrasco divino


Entediado, já que não trabalhava desde o sétimo dia da Criação (quando parou para descansar), Deus resolveu dar uma festa em sua casa. Mais especificamente um churrasco.

Chamou todos os grandes personagens bíblicos da história para que apreciassem aquele dia ensolarado nas nuvens, acima dos homens e do tempo.

São Pedro, o caseiro e possuidor das chaves para o Reino dos Céus, foi o primeiro a chegar, trazendo com ele seus irmãos Tiago e João, pescadores.

O Senhor esperava que eles ficassem responsáveis pela carne através da pesca, e por isso, ao convidá-los formalmente em carta, registrou, a próprio punho, a quantidade exata necessária para alimentar todos os convidados e que, severo como era, não aceitaria a desculpa de que “o mar não estava para peixe”. Porém, nada ocorreu conforme planejado. Os três traziam apenas um quinto do que foi ordenado.

Confuso, Deus analisou os fatos e descobriu o ocorrido: como escrevia “certo, por linhas tortas”, os apóstolos não conseguiram decifrar a letra divina e se confundiram ao cumprir suas obrigações.

- Tudo bem, – disse Deus – tudo ao seu tempo. Logo mais o problema será resolvido...

Coincidentemente, ao finalizar sua sentença, a campainha tocou: era Jesus, seu filho. Com um forte abraço, pai e filho se cumprimentaram, e brevemente conversaram sobre o impasse há pouco citado.

O filho do Criador chegou à frente dos peixes, estendeu os braços em posição de benção, suspirou fundo e, como em um passe de mágica, uma explosão de luz preencheu a casa inteira e, retornando tudo ao normal, havia mais peixes do que Deus havia ordenado originalmente.

O pai pegou um dos animais, deu uma mordida, apreciou, engoliu. E viu Deus que era bom! O Senhor estava contente, a festa poderia continuar.

Aos poucos, os convidados foram chegando...

Noé ficou encarregado das bebidas e, na dúvida de qual marca de cerveja comprar, trouxe duas de cada.

Adão, sua esposa Eva e o seu filho Caim também chegaram, trazendo frutas (principalmente maçãs) e legumes. Os convidados estranharam a criança do casal.

- Adolescente problemático, – disseram os pais – está passando por uma fase. Ciúmes, rebeldia. É uma ovelha negra...

Caim ficou a festa inteira sentado em um canto, mexendo em seu smartphone.

Com muita alegria e disposição, enfim, convidado por convidado entrava na casa, trazendo algo para a festa. O último a chegar foi Judas Iscariotes, que não trouxe nada para o evento. Ainda assim, muito educado e sem graça, saudou todos os convidados e beijou seu velho amigo Jesus.

A festa começava...

Deus, levitando sobre todos, abriu os braços, sorriu e disse: “Faça-se a luz!”. Imediatamente, a música eletrônica começou a tocar, o jogo de luzes criava um efeito alucinógeno, e os efeitos pirotécnicos e de fumaça funcionavam perfeitamente. Uma festa santificada.

Todos estavam muito felizes. Com a bebida rolando, não podiam faltar brincadeiras mais soltas daqueles que se exaltavam.

Davi, pequeno e tímido, quis saltar do trampolim e dar um mergulho na piscina, para tentar impressionar Betsabé, uma moreninha com quem teve caso recente. O pequeno rei estufou o peito, fez pose e saltou. Vendo a cena, e já um pouco embriagado, Moisés bateu com seu cajado na beira, fazendo com que as águas abrissem e Davi fosse de encontro ao chão. Foi uma gargalhada sem fim. Moisés chorava de tanto rir, junto com Jacó e Esaú.

Irritado com a brincadeira sem graça, Davi pegou um pedra e partiu para cima de Moisés. Uma calorosa discussão começava. O baixinho ameaçou matar o profeta. Todos estavam tensos, com exceção de São Tomé, que provocava a situação, dizendo que só “vendo para crer”.

Pacientemente, Jó abriu caminho entre todos, e dialogou com os dois. Conversou com calma, ouviu, explicou detalhadamente seu ponto de vista e resolveu a situação. Logo a festa reiniciava.

Depois de um tempo, as bebidas acabaram, e o pessoal começou a reclamar com Deus, o anfitrião. Preocupado com sua fama, o Senhor novamente chamou seu filho de canto e, secretamente, pediu auxílio. Jesus, de olho em Maria Madalena – que se insinuava mais e mais a cada nova dose de bebida – em voz alta, para que todos ouvissem, proclamou: “Tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei!”, e, novamente, tão rápido quanto um estalar de dedos, a piscina inteira estava cheia de vinho de ótima qualidade. Todos comemoraram e continuaram a dançar.

Maria Madalena sorriu para o filho do Senhor, enquanto tomava um gole daquele vinho. Um pouco do líquido escorreu de sua boca até o queixo e, lentamente, ela se limpou com a mão pelos lábios. Jesus mordeu os seus enquanto observava e se mostrou visivelmente abalado. Maria riu desta confusão enquanto Jesus suplicava: “Perdoai-me, não sei o que faço...”.

Havia também refrigerantes para aqueles que desejavam permanecer sóbrios diante do Senhor, mas João, um primo distante de Jesus, resolveu “batizar” secretamente as bebidas com vodka, para que todos alcançassem o verdadeiro nirvana alcoólico.

Os convidados perderam o controle.

Lucas, alucinado, tentou empurrar Jesus na piscina. Este, deixando se enganar de propósito, ficou na beira, aguardando. Com o empurrão, Jesus começou a andar sobre as águas e foi parar no meio da piscina, em pé. Todos começaram a rir enquanto Jesus dançava acima da piscina para provocar o convidado.

Até mesmo o dono da casa, bêbado, enquanto tentava acender um cigarro, tropeçou e a bituca caiu aos pés de uma árvore, que pegou fogo. Tonto, Deus olhou aquilo e pensou que fosse um espelho, e tentou imitar a vegetação que inflamava.

Para finalizar o evento, todos propuseram um tiro ao alvo: alguém trouxe um pecador terrestre para a festa e, atrás de uma linha demarcada, os convidados esperavam a autorização de Jesus enquanto seguravam pequenos pedaços de rochas. Quem acertasse primeiro, ganharia uma nova auréola dourada.

Jesus, com ar solene, levantou um dos braços e, dirigindo-se a todas as divindades, santos e figuras bíblicas, anunciou:

- Aquele que nunca pecou, que atire a primeira pedra!

O anjo Gabriel foi o grande vencedor, e desfilou seu prêmio voando alegremente acima de todos.

Aos poucos, todos foram embora, felizes, cansados. A festa ficou por muito tempo na memória de todos; e os céus aguardam o dia de mais uma festa divina memorável como aquela...