terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Ele

Caminhava um sujeito pela calçada. Distraído, silencioso, mãos no bolso e mente no céu. Em um breve momento de percepção aguçada, ouviu seu nome sendo dito não muito longe dali.

Virou a cabeça de um lado, do outro. Seus olhos percorriam a rua em busca da fonte daquelas palavras. Em um bar fechado, atrás das janelas de vidro, em uma pequena mesa redonda, rapazes conversavam. Alguns de óculos de grau, outros de boinas, calças xadrez, cigarros, camisas de flanelas, cafés, tênis All-Star, barbas por fazer, camisetas de bandas alternativas, iPhones, citações de Bukowski, Shakespeare, Dostoiévski e certas inclinações esquerdistas. Eram claramente uma elite intelectual.

Um deles mencionou novamente o nome do indivíduo. E riu. E fez os outros rirem também. Prestando mais atenção no diálogo alheio, o sujeito percebeu que o grupo argumentava o quanto eram superiores por terem certeza de que ele não existia, enquanto a massa humana alienada o venerava.

Revoltado, não conseguiu acreditar, enquanto olhava para si mesmo, suas mãos, suas roupas, seu reflexo no vidro na parte de fora do estabelecimento, que alguém ainda assim poderia afirmar sua inexistência.

Tímido, sem saber ao certo como intimar o grupo pessoalmente, correu até o primeiro que encontrou na rua - por coincidência, um mendigo. Solicitou ao morador de rua que entrasse no bar e contasse aos jovens que conversou com o sujeito em questão, e que o mesmo comprovou sua existência.

Assim feito, obviamente que os tão intelectualizados rapazes caíram em gargalhadas. "Você é um louco! Um mendigo! Você não é ninguém!" diziam ao infeliz.

Ficou claro que o sujeito, que a partir de agora, para facilitar a narração, chamaremos de Zé, deveria encontrar alguém com maior credibilidade social para concretizar seu desejo. Um sem-teto não tem o peso necessário à importância da informação.

Procurou então um empresário que passasse por perto. Ao encontrá-lo, para não ter dúvidas de que seu plano daria certo desta vez, ainda por cima lhe concedeu sua própria carteira de identidade para demonstração. De terno alinhado, penteado e sorriso no rosto, o empresário recebeu uma rápida negativa dos rapazes de dentro do bar. "Um charlatão! Um aproveitador! Ficou rico à custa da enganação" foi o que ouviu. "Quanto a este documento: quem pode afirmar que é verdadeiro? Só porque está escrito em um pedaço de papel qualquer, não significa que é real!" disse um deles, arrancando aplauso dos outros por argumento tão sagaz.

Extremamente irritado, em um ato precipitado de fúria, Zé socou, do lado de fora, a janela do bar, espatifando em mil pedaços o vidro em sua mão.

Todos os outros clientes do bar, assustados com o que ocorreu e lembrando dos dois indivíduos que haviam causado tumulto anteriormente na mesa dos rapazes, iniciaram então um coro contra aquele pequeno grupo, tentando arduamente e em vão convencê-los a mudar de opinião.
"Isso não significa nada!" - diziam - "O vidro já estava velho. Uma simples brisa de verão poderia quebrá-lo. Um acontecimento banal e natural não é sinônimo de milagre!".

"Desisto!" - pensou Zé - "Precisarei eu mesmo me mostrar à eles". Tomado de coragem, então, em uma iniciativa inédita e desesperada, Zé adentrou o bar, meio tímido, meio inseguro, e se dirigiu à mesa dos rapazes.
Todos olhavam perplexos: clientes, funcionários, pedestres. Ninguém esperava esse tipo de atitude de alguém como ele.

Zé postou-se em frente à mesa do grupo e com orgulho e autoridade na voz, afirmou "Cá estou!". Inicialmente calados e confusos, os rapazes começaram então um tiroteio de frases prontas e réplicas: "Holograma! Ilusão! Mentira!". De modo nenhum dariam o braço a torcer, admitindo que o sujeito que ali se encontrava era de fato o Zé, apesar de todos os indícios contrários.

Triste, decepcionado consigo mesmo e com os próximos, Zé saiu do bar olhando pra baixo, apenas escutando os risos prepotentes do grupo atrás. Parou na calçada, fez sinal, e pegou o primeiro ônibus sem número até lugar nenhum, desaparecendo para sempre daquele lugar.

"What if God was one of us
Just a slob like one of us
Just a stranger on the bus
Trying to make his way home"