sábado, 15 de setembro de 2012

A moral


Se um ladrão traficante estuprador pedófilo que maltrata mulheres está dirigindo um carro roubado com placa alterada e bate no carro de uma idosa que vai para a Igreja todo domingo, doa parte de seu dinheiro para instituições de caridade, ensina voluntariamente crianças e decidiu, segundos antes, fazer um “gato” e, ao invés de ir até o final da avenida movimentada para pegar o sentido contrário, dar a meia volta e cortar a rua, pois estava atrasada para pegar o seu neto na escola, de quem é a culpa pelo acidente?

Se uma mãe de família, recebendo menos de um salário mínimo por doze horas diárias de trabalho como faxineira, com dois filhos para criar e sem tempo para cuidá-los decide votar naquele político do bairro conhecido por “truques”, malandragens, corrupção e falcatruas porque ele concedeu uma bolsa de estudos em um colégio particular da região para seu filho mais novo ter a chance de uma educação não tão ruim e quem sabe um futuro, quem está errado?

Se um rapaz, pai solteiro, está passeando pela rua e é testemunha de um assassinato após um assalto em uma mercearia e mente para a polícia que não viu o rosto do ladrão por temer que o acusado - vizinho que o chantageou e ameaçou de morte – possa cumprir a promessa e prejudicar suas filhas de 11 e 9 anos, o quanto ele também é grave cúmplice?

A moral é relativa. A moral é inconstante. A moral é um mito, pois é intrínseca às noções de certo e errado (que por si só não existem, são meramente culturais). Como dizer para um garoto islâmico que cresceu a vida inteira rodeado de pessoas com costumes e hábitos diferentes, sendo convencido e ensinado que outras culturas estão difamando suas crenças, que a religião católica, por exemplo, é a certa? Por que a monogamia é correta e necessária, quando vai contra nossos instintos e vontades interiores? Todo marido bondoso e preocupado dá uma olhada discreta na vizinha que abaixa para pegar uma coisa na rua por baixo de seus óculos escuros quando a esposa não está olhando. Isso faz dele pior? Isso faz dele menos dedicado? Isso o torna menos marido? Tudo porque alguém, anos atrás, disse que um barbudo invisível com superpoderes no céu decidiu que ninguém pode fazer isso porque ele manda e ponto final?

A moral só existe porque amamos julgar. Adoramos abrir aquele sorrisinho discreto no canto da boca quando vemos alguma pessoa que não gostamos se dar mal.

Nesta era de excessos nojentos do politicamente correto e ter que pensar demais naquilo que expressamos, pois sempre alguém vai tomar as dores de algo que não lhe foi dirigido e nem cabe no seu contexto, a moral vem como o calor consequente do fogo. Um fogo que nos atrasa e queima a criatividade e o desenvolvimento, nos deixando as cinzas dos preconceitos e imposições.

Temos valores pré-definidos e nem sempre lógicos que tomamos como verdade e ficamos bravos quando não concordam conosco. Gostamos de usá-los para entender os fatos, porque é mais fácil. É mais fácil aceitar as nossas eternas definições passadas de geração em geração do que mudar e ver a realidade. Perdemos os argumentos. E rejeitamos a razão, pois moral e razão nada têm a ver uma com a outra. Podem coincidir, mas jamais serem sinônimos.

Julgaremos e seremos julgados, para morrer em vão e pensarem que estamos felizes (ou tristes) em algum outro lugar.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Churrasco divino


Entediado, já que não trabalhava desde o sétimo dia da Criação (quando parou para descansar), Deus resolveu dar uma festa em sua casa. Mais especificamente um churrasco.

Chamou todos os grandes personagens bíblicos da história para que apreciassem aquele dia ensolarado nas nuvens, acima dos homens e do tempo.

São Pedro, o caseiro e possuidor das chaves para o Reino dos Céus, foi o primeiro a chegar, trazendo com ele seus irmãos Tiago e João, pescadores.

O Senhor esperava que eles ficassem responsáveis pela carne através da pesca, e por isso, ao convidá-los formalmente em carta, registrou, a próprio punho, a quantidade exata necessária para alimentar todos os convidados e que, severo como era, não aceitaria a desculpa de que “o mar não estava para peixe”. Porém, nada ocorreu conforme planejado. Os três traziam apenas um quinto do que foi ordenado.

Confuso, Deus analisou os fatos e descobriu o ocorrido: como escrevia “certo, por linhas tortas”, os apóstolos não conseguiram decifrar a letra divina e se confundiram ao cumprir suas obrigações.

- Tudo bem, – disse Deus – tudo ao seu tempo. Logo mais o problema será resolvido...

Coincidentemente, ao finalizar sua sentença, a campainha tocou: era Jesus, seu filho. Com um forte abraço, pai e filho se cumprimentaram, e brevemente conversaram sobre o impasse há pouco citado.

O filho do Criador chegou à frente dos peixes, estendeu os braços em posição de benção, suspirou fundo e, como em um passe de mágica, uma explosão de luz preencheu a casa inteira e, retornando tudo ao normal, havia mais peixes do que Deus havia ordenado originalmente.

O pai pegou um dos animais, deu uma mordida, apreciou, engoliu. E viu Deus que era bom! O Senhor estava contente, a festa poderia continuar.

Aos poucos, os convidados foram chegando...

Noé ficou encarregado das bebidas e, na dúvida de qual marca de cerveja comprar, trouxe duas de cada.

Adão, sua esposa Eva e o seu filho Caim também chegaram, trazendo frutas (principalmente maçãs) e legumes. Os convidados estranharam a criança do casal.

- Adolescente problemático, – disseram os pais – está passando por uma fase. Ciúmes, rebeldia. É uma ovelha negra...

Caim ficou a festa inteira sentado em um canto, mexendo em seu smartphone.

Com muita alegria e disposição, enfim, convidado por convidado entrava na casa, trazendo algo para a festa. O último a chegar foi Judas Iscariotes, que não trouxe nada para o evento. Ainda assim, muito educado e sem graça, saudou todos os convidados e beijou seu velho amigo Jesus.

A festa começava...

Deus, levitando sobre todos, abriu os braços, sorriu e disse: “Faça-se a luz!”. Imediatamente, a música eletrônica começou a tocar, o jogo de luzes criava um efeito alucinógeno, e os efeitos pirotécnicos e de fumaça funcionavam perfeitamente. Uma festa santificada.

Todos estavam muito felizes. Com a bebida rolando, não podiam faltar brincadeiras mais soltas daqueles que se exaltavam.

Davi, pequeno e tímido, quis saltar do trampolim e dar um mergulho na piscina, para tentar impressionar Betsabé, uma moreninha com quem teve caso recente. O pequeno rei estufou o peito, fez pose e saltou. Vendo a cena, e já um pouco embriagado, Moisés bateu com seu cajado na beira, fazendo com que as águas abrissem e Davi fosse de encontro ao chão. Foi uma gargalhada sem fim. Moisés chorava de tanto rir, junto com Jacó e Esaú.

Irritado com a brincadeira sem graça, Davi pegou um pedra e partiu para cima de Moisés. Uma calorosa discussão começava. O baixinho ameaçou matar o profeta. Todos estavam tensos, com exceção de São Tomé, que provocava a situação, dizendo que só “vendo para crer”.

Pacientemente, Jó abriu caminho entre todos, e dialogou com os dois. Conversou com calma, ouviu, explicou detalhadamente seu ponto de vista e resolveu a situação. Logo a festa reiniciava.

Depois de um tempo, as bebidas acabaram, e o pessoal começou a reclamar com Deus, o anfitrião. Preocupado com sua fama, o Senhor novamente chamou seu filho de canto e, secretamente, pediu auxílio. Jesus, de olho em Maria Madalena – que se insinuava mais e mais a cada nova dose de bebida – em voz alta, para que todos ouvissem, proclamou: “Tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei!”, e, novamente, tão rápido quanto um estalar de dedos, a piscina inteira estava cheia de vinho de ótima qualidade. Todos comemoraram e continuaram a dançar.

Maria Madalena sorriu para o filho do Senhor, enquanto tomava um gole daquele vinho. Um pouco do líquido escorreu de sua boca até o queixo e, lentamente, ela se limpou com a mão pelos lábios. Jesus mordeu os seus enquanto observava e se mostrou visivelmente abalado. Maria riu desta confusão enquanto Jesus suplicava: “Perdoai-me, não sei o que faço...”.

Havia também refrigerantes para aqueles que desejavam permanecer sóbrios diante do Senhor, mas João, um primo distante de Jesus, resolveu “batizar” secretamente as bebidas com vodka, para que todos alcançassem o verdadeiro nirvana alcoólico.

Os convidados perderam o controle.

Lucas, alucinado, tentou empurrar Jesus na piscina. Este, deixando se enganar de propósito, ficou na beira, aguardando. Com o empurrão, Jesus começou a andar sobre as águas e foi parar no meio da piscina, em pé. Todos começaram a rir enquanto Jesus dançava acima da piscina para provocar o convidado.

Até mesmo o dono da casa, bêbado, enquanto tentava acender um cigarro, tropeçou e a bituca caiu aos pés de uma árvore, que pegou fogo. Tonto, Deus olhou aquilo e pensou que fosse um espelho, e tentou imitar a vegetação que inflamava.

Para finalizar o evento, todos propuseram um tiro ao alvo: alguém trouxe um pecador terrestre para a festa e, atrás de uma linha demarcada, os convidados esperavam a autorização de Jesus enquanto seguravam pequenos pedaços de rochas. Quem acertasse primeiro, ganharia uma nova auréola dourada.

Jesus, com ar solene, levantou um dos braços e, dirigindo-se a todas as divindades, santos e figuras bíblicas, anunciou:

- Aquele que nunca pecou, que atire a primeira pedra!

O anjo Gabriel foi o grande vencedor, e desfilou seu prêmio voando alegremente acima de todos.

Aos poucos, todos foram embora, felizes, cansados. A festa ficou por muito tempo na memória de todos; e os céus aguardam o dia de mais uma festa divina memorável como aquela...

domingo, 27 de novembro de 2011

Como cães e gatos


Homens e mulheres são animais. Espécies incompletas e distintas que necessitam um do outro para existir. Dois caminhos para o mesmo lugar.

O homem é como um cão.

Cães são explícitos, diretos, barulhentos. O cão, querendo algo, pede, chora, late. Pula em cima do benfeitor clamando a urgência da atenção.

Cães são determinados: querem suas vontades realizadas logo. Não desistem até conseguir, ou apanhar do mundo.

A vida é curta para ser racional demais.

Mulheres são como gatos.

Gatos não pedem, indicam. Criam condições e sinais para que o alvo entenda o recado. São sedutores e sabem que o prêmio perde a graça sem competição.

Gatos não solicitam massagens: comentam das costas doloridas.

Inteligentes e calculistas, eles tem nos movimentos delicados as mais brutas intenções.

Gatos trocam olhares, provocam. Avançam silenciosamente pelo recinto e se deixam disponíveis. Cães se jogam aos seus pés esmolando o carinho alheio.

Mulheres: homens são bobos. Somos seus... E sabemos que não darão o braço a torcer autenticando a reciprocidade. Mas gostamos disso!

Neste jogo, paixão e estratégia são trunfos perigosamente magníficos. Um passo em falso, e perdemos peças no tabuleiro.

Buscando a dose perfeita, bebemos da vida e tentamos equilibrar a balança.

Ganhemos todos e que vençam os melhores.

E se for para perder, que seja um se perdendo no outro, até o fim!

sábado, 8 de outubro de 2011

psiké

Avanço rapidamente por um corredor escuro de plantas vermelhas brilhantes. Rumo uma densa luz azul clara vinda do final, corro incansavelmente. Me apoio nas paredes e percebo uma consistência elástica emborrachada, leve, flácida. Não consigo me segurar. A cada apoio, bambo frente e trás. Um João Bobo, tão João e tão bobo. Percebo que o chão é gelo e derrapo.

Escorregando, cada vez mais rápido, pelo labirinto de flora gélida que me encontro, entro em desespero. Não consigo parar. Mais e mais rápido, tropeço entre minhas pernas e o piso. Todo passo é uma geada. Poeira fria que sobe e me cega. Não sei mais onde estou. Tudo é tomado por neblina fria e caos.

Paro de repente em uma caixa de areia. Meus pés sentem o alívio da fixação. Silêncio.

Silêncio e Sol.

Tanto Sol que ouço as moléculas salinas queimarem pela temperatura. Nenhum som. Nenhuma nuvem. Somente o ardor da terra. Eu suo, eu grito. Não faço idéia do que está acontecendo.

Olho em volta... Deserto. Lembro que não sei de onde vim, nem para onde vou. Sinal algum de outra coisa em minha volta. Somente areia. Por todos os lados...

Com o astro rei exatamente sobre minha cabeça, penso ser meio dia.

Tento respirar fundo, mas trago areia. Grãos em meus pulmões. Pesando. Preciso cada vez de mais ar. E cada inspiração mais necessitada, mais areia. Sufoco.

Irritado, levanto minhas mãos ao céu e pulo de raiva. Pulo. Pulo tão alto que não paro de subir.

Subir... Sem gravidade...

Perco o controle e o senso. Remexo o corpo em busca de algum sentido no ar. Caio no fundo de uma piscina em um clube de campo.

Crianças brincando na beira. Pais e mães tomando seus drinks, sentados em cadeiras de plástico sob um guarda-sol colorido. Música alta, tobogãs, sorvete. O que está acontecendo?

Ao tentar me levantar, enrosco o pé em algo. Uma corrente metálica. Percebo ter puxado a tampa de um ralo.

Como uma descarga, corpo, água e tudo mais rodam até o fundo do nada. Rodando e rodando e rodando interminavelmente na escuridão sombria de um buraco negro.

Gostaria de falar que sim, e que era um sonho. Mas é só o começo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Eles ainda mudam o mundo

A história de um casal. Falemos primeiro dela.

Menina polêmica, sempre foi muito inteligente. Afirmava com absoluta certeza que o que lhe importava de verdade era a beleza interior. Criticava sem piedade aqueles que não enxergavam a inteligência como verdadeiro afrodisíaco. Jamais foi superficial. Aproveitava o tempo livre para inserir fotos de seus ensaios fotográficos nos álbuns das redes sociais. Tinha a enorme preocupação de não repetir o mesmo vestido (por mais caro que fosse comprar um novo) e passava horas aprendendo os efeitos do Photoshop para tirar as espinhas, diminuir imperfeições, melhorar cor, brilho, contraste e, de quebra, parecer uma modelo consagrada. De qualquer maneira, não ligava para aparências.

Adepta do budismo, ela levava uma vida zen. Gostava de passear à tarde no parque, tomar uma xícara de café enquanto ouvia músicas relaxantes e lia um bom livro. Acreditava que uma menina tinha de se dar o devido valor, se guardar, que um dia apareceria o verdadeiro amor de sua vida. Talvez por isso beijasse onze rapazes na mesma noite, em alguma balada de renome da cidade, sem saber nome, idade, profissão: integridade.

Vegetariana temperamental, arrumou briga uma vez com o funcionário de uma lanchonete que derrubou ketchup em seu casaco de pele de chinchila.

Um dia, no vai e vem da vida de confusões e absurdos, conheceu um carinha diferente.

Falaremos agora dele.

Ele, rapaz diferente, popularmente chamado de hipster pelos amigos, sempre se destacou dos demais. Não era como os outros, que só pensava em dinheiro. Pelo contrário, ele sempre foi defensor mordaz de uma ideologia esquerdista: lia todos os escritos de Marx e odiava de coração a burguesia capitalista, aos quais chamava de “porcos”.

Todo final de semana acordava com o despertador do seu iPhone, vestia seus confortáveis tênis Nike, um casaco da Adidas para não passar frio, entrava no carro emprestado pelo pai e dirigia rumo à alguma manifestação/passeata política. Enquanto ouvia no som do veículo algum CD do Dead Fish, filosofava sobre como a sociedade era alienada. Não entendia o desrespeito que um ser humano pode ter com o outro. De vez em quando se irritava quando alguma senhora de idade tentava, com dificuldade, atravessar a rua sozinha e parava em frente a seu carro. Buzinava, gritava. Tinha pressa para chegar a seu compromisso para melhorar o mundo e as relações interpessoais.

Jamais teve um emprego. Lutava justamente contra as grandes corporações que exploravam cruelmente seus funcionários. Preferia ganhar algum dinheiro vendendo para seus amigos discografias em MP3 e filmes antigos gravados em seu computador, mesmo quando a empregada doméstica contratada sem carteira assinada pela família insistia em atrapalhar seus negócios limpando o seu quarto e mexendo em suas coisas.

Os dois se conheceram na faculdade. Ela fotografou seu rosto em sua câmera profissional enquanto ele instigava uma greve dos alunos do curso em favor de uma mesa de sinuca para o centro acadêmico da universidade. Dias depois, ele babava pela mini-saia dela que, em uma noite de inverno, “esqueceu” de colocar um casaco e calça jeans porque viu um pequeno Sol da janela de seu quarto.

A partir daí, virou amor. Do resto todo mundo sabe a história: se conhece, sai, se apaixona, diz que é amor da sua vida, que um jamais viverá sem a presença do outro, e na semana seguinte está transando com outra pessoa e afirmando que “solteira(o) sim, sozinha(o) jamais”.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Jonathan Lauton Domingues

Não entendo de verdade a homofobia.

Sou hétero convicto desde o nascimento e gosto muito do sexo oposto, mas isso não me dá motivos para odiar quem não compactua com meus desejos.

Eu até entendo a vida difícil que levam esses jovens que se juntam em rebanhos a favor do ódio e da intolerância. Não é fácil ser um adolescente de classe média alta, sustentado pelos pais, vagabundo desde o berço, ganhando todos os brinquedos e mimos pelos quais chorava, estudando em ótimos colégios e usufruindo do suor da família para auto sustento e satisfação.

Essa vida dura, de longas viagens, shopping centers com biscates púberes de portas de escola, chocolate e sucrilhos sem fim, cinemas, iPods e mesadas polpudas realmente justifica atos como, por exemplo, acertar uma lâmpada no rosto de um desconhecido.

Mais recentemente, pai e filho foram agredidos (o mais velho inclusive perdendo parte da orelha) por um grupo de acéfalos enquanto visitava uma exposição de mães de agressores homofóbicos ao serem confundidos com gays.

Não perco meu tempo dando lição de moral. Mesmo porque sei que, para a família desses garotos, sempre foi prioridade as aulas de Yoga da mãe e o carro conversível do pai, ao invés da educação correta do filho. Isso, a escola católica ao qual o rebento foi matriculado foi responsabilizada. Os pais, coitados, não tinham tempo para estes ensinos com o pouco tempo de intervalo entre um restaurante chique e alguma exploração trabalhista da empregada doméstica que cuidava de seu apartamento de vários dormitórios em alguma área residencial de luxo.

Mas, de qualquer maneira, fica minha curta mensagem de indignação com estes fatos recentes e a sugestão de uma pena mais "islâmica" para tais indivíduos. Nem que, para isso, se aplique a Lei de Talião e - parafraseando e já prevendo o que disse Gandhi - acabemos todos cegos.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Davi e Golias

Davi se arrumou e foi para a balada. Entrou no recinto, tímido, de cabeça baixa e desconfiado. Gente diferente do que estava acostumado. Comprou uma dose de whisky para começar bem a noite e foi à pista.

Música alta, luzes psicodélicas, aquela fumaça que fazia mal a seu nariz e mais pessoas que o transporte público no horário de pico de uma segunda-feira.

De lá, viu ela, que dançava como se o mundo acabasse dali horas e sua silhueta fosse a reflexão do que mais sublime havia na humanidade já esquecida. Parou. Pela primeira vez não tinha palavras.

O que dizer? O que fazer? Era tão atraente quanto uma folha de papel almaço e tinha a desenvoltura de uma catraca de ônibus. Achou melhor esperar e voltar ao bar.

De lá, avistou Golias, que no oposto exato de si não hesitava em seguir os confusos rumos de sua própria vontade e fazer o que fosse preciso para realizar seus desejos.

Inédito em exposições ou museus, mas PhD em TOP 10 de rádios FM e depoimentos de Orkut com letras coloridas e de diferentes tamanhos com frases prontas de impacto que geram sorriso de qualquer menina ingênua, o gigante via na donzela um alvo. Que fosse mais um da noite: aquelas conquistas fáceis da natureza que esquecemos a realização segundos depois de acordar pela manhã, vestir a camiseta, tomar um café e não deixar sequer um contato.

Davi, Keraouc que só, não compactuava com tal atitude e não via chances de competição diante do evidente contraste dos pontos de vista, e encontrou no maço de cigarros escondido no bolso direito da calça jeans uma válvula de escape e relaxamento.

Na área de fumantes, cada trago reforçava a decisão de voltar ao campo e ratificar o mito do menor se fazendo valer contra o mais forte.

Calmo, com outra dose na cabeça e menos correntes na esperança, ele voltou ao lounge para avistá-la.

Como dona do recinto, ela dominava seus sentidos. Davi queria cantar todas as canções românticas daquela banda independente que ninguém conhecia ao pé de seu ouvido, e discutir por horas sobre o livro que estava lendo, cujo falecido autor não foi reconhecido em vida, mas um dia ainda provaria a competência. Infelizmente, ao contrário de Golias, que dançava cada vez mais perto daquela figura, recitando os versos que o DJ soltava na caixa de som de forma desafinada e convicta, ele não conhecia a letra da música.

Sequer sabia dançar. “Um pra lá e outro pra cá”, como viu um dia na televisão em um sábado tedioso em que a internet caiu, não funcionava tão bem para ele na pista de dança. Deslocado, encontrou na parede um apoio melhor que suas crenças.

E Golias crescia ainda mais. Chegava perto, sentia o pescoço quente da pequena e juntava suas mãos às palmas dela, que sorria. O terceiro gole de whisky não servia tanto à Davi para separar e vencer o adversário quanto para lhe causar certa tontura: acreditou que mais um pouco daquela nicotina barata comprada na banca de jornal seria o trunfo final da grande batalha.

Na varanda, em meio às nuvens de fumaça e silêncio, imaginava que, simultaneamente, Golias levava vantagem. Sua mente criava um filme onde o gigante histórico conseguia a garota, em meio a lábios unidos, cabelos puxados e perfumes misturados. Davi, cuja vontade era ele ser o personagem principal deste pesadelo, colocou um ponto final ao jeito low profile de ser e, de peito estufado e mais galã do que nunca, transitou entre desconhecidas multidões atrás dela.

Correu e empurrou, decidido.

Chegando ao ambiente retratado em quase totalidade desta história, Davi não encontrou nada além do vazio. Eles não estavam lá. E, apesar da pouca esperança de engano que um coração apavorado pode criar, ele sabia que não voltariam. Não agora. Pelo menos não mais naquela noite.

Aquele dia, Davi guardou a pedra de volta no bolso, a Bíblia estava errada e o gigante venceu.