domingo, 27 de novembro de 2011

Como cães e gatos


Homens e mulheres são animais. Espécies incompletas e distintas que necessitam um do outro para existir. Dois caminhos para o mesmo lugar.

O homem é como um cão.

Cães são explícitos, diretos, barulhentos. O cão, querendo algo, pede, chora, late. Pula em cima do benfeitor clamando a urgência da atenção.

Cães são determinados: querem suas vontades realizadas logo. Não desistem até conseguir, ou apanhar do mundo.

A vida é curta para ser racional demais.

Mulheres são como gatos.

Gatos não pedem, indicam. Criam condições e sinais para que o alvo entenda o recado. São sedutores e sabem que o prêmio perde a graça sem competição.

Gatos não solicitam massagens: comentam das costas doloridas.

Inteligentes e calculistas, eles tem nos movimentos delicados as mais brutas intenções.

Gatos trocam olhares, provocam. Avançam silenciosamente pelo recinto e se deixam disponíveis. Cães se jogam aos seus pés esmolando o carinho alheio.

Mulheres: homens são bobos. Somos seus... E sabemos que não darão o braço a torcer autenticando a reciprocidade. Mas gostamos disso!

Neste jogo, paixão e estratégia são trunfos perigosamente magníficos. Um passo em falso, e perdemos peças no tabuleiro.

Buscando a dose perfeita, bebemos da vida e tentamos equilibrar a balança.

Ganhemos todos e que vençam os melhores.

E se for para perder, que seja um se perdendo no outro, até o fim!

sábado, 8 de outubro de 2011

psiké

Avanço rapidamente por um corredor escuro de plantas vermelhas brilhantes. Rumo uma densa luz azul clara vinda do final, corro incansavelmente. Me apoio nas paredes e percebo uma consistência elástica emborrachada, leve, flácida. Não consigo me segurar. A cada apoio, bambo frente e trás. Um João Bobo, tão João e tão bobo. Percebo que o chão é gelo e derrapo.

Escorregando, cada vez mais rápido, pelo labirinto de flora gélida que me encontro, entro em desespero. Não consigo parar. Mais e mais rápido, tropeço entre minhas pernas e o piso. Todo passo é uma geada. Poeira fria que sobe e me cega. Não sei mais onde estou. Tudo é tomado por neblina fria e caos.

Paro de repente em uma caixa de areia. Meus pés sentem o alívio da fixação. Silêncio.

Silêncio e Sol.

Tanto Sol que ouço as moléculas salinas queimarem pela temperatura. Nenhum som. Nenhuma nuvem. Somente o ardor da terra. Eu suo, eu grito. Não faço idéia do que está acontecendo.

Olho em volta... Deserto. Lembro que não sei de onde vim, nem para onde vou. Sinal algum de outra coisa em minha volta. Somente areia. Por todos os lados...

Com o astro rei exatamente sobre minha cabeça, penso ser meio dia.

Tento respirar fundo, mas trago areia. Grãos em meus pulmões. Pesando. Preciso cada vez de mais ar. E cada inspiração mais necessitada, mais areia. Sufoco.

Irritado, levanto minhas mãos ao céu e pulo de raiva. Pulo. Pulo tão alto que não paro de subir.

Subir... Sem gravidade...

Perco o controle e o senso. Remexo o corpo em busca de algum sentido no ar. Caio no fundo de uma piscina em um clube de campo.

Crianças brincando na beira. Pais e mães tomando seus drinks, sentados em cadeiras de plástico sob um guarda-sol colorido. Música alta, tobogãs, sorvete. O que está acontecendo?

Ao tentar me levantar, enrosco o pé em algo. Uma corrente metálica. Percebo ter puxado a tampa de um ralo.

Como uma descarga, corpo, água e tudo mais rodam até o fundo do nada. Rodando e rodando e rodando interminavelmente na escuridão sombria de um buraco negro.

Gostaria de falar que sim, e que era um sonho. Mas é só o começo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Eles ainda mudam o mundo

A história de um casal. Falemos primeiro dela.

Menina polêmica, sempre foi muito inteligente. Afirmava com absoluta certeza que o que lhe importava de verdade era a beleza interior. Criticava sem piedade aqueles que não enxergavam a inteligência como verdadeiro afrodisíaco. Jamais foi superficial. Aproveitava o tempo livre para inserir fotos de seus ensaios fotográficos nos álbuns das redes sociais. Tinha a enorme preocupação de não repetir o mesmo vestido (por mais caro que fosse comprar um novo) e passava horas aprendendo os efeitos do Photoshop para tirar as espinhas, diminuir imperfeições, melhorar cor, brilho, contraste e, de quebra, parecer uma modelo consagrada. De qualquer maneira, não ligava para aparências.

Adepta do budismo, ela levava uma vida zen. Gostava de passear à tarde no parque, tomar uma xícara de café enquanto ouvia músicas relaxantes e lia um bom livro. Acreditava que uma menina tinha de se dar o devido valor, se guardar, que um dia apareceria o verdadeiro amor de sua vida. Talvez por isso beijasse onze rapazes na mesma noite, em alguma balada de renome da cidade, sem saber nome, idade, profissão: integridade.

Vegetariana temperamental, arrumou briga uma vez com o funcionário de uma lanchonete que derrubou ketchup em seu casaco de pele de chinchila.

Um dia, no vai e vem da vida de confusões e absurdos, conheceu um carinha diferente.

Falaremos agora dele.

Ele, rapaz diferente, popularmente chamado de hipster pelos amigos, sempre se destacou dos demais. Não era como os outros, que só pensava em dinheiro. Pelo contrário, ele sempre foi defensor mordaz de uma ideologia esquerdista: lia todos os escritos de Marx e odiava de coração a burguesia capitalista, aos quais chamava de “porcos”.

Todo final de semana acordava com o despertador do seu iPhone, vestia seus confortáveis tênis Nike, um casaco da Adidas para não passar frio, entrava no carro emprestado pelo pai e dirigia rumo à alguma manifestação/passeata política. Enquanto ouvia no som do veículo algum CD do Dead Fish, filosofava sobre como a sociedade era alienada. Não entendia o desrespeito que um ser humano pode ter com o outro. De vez em quando se irritava quando alguma senhora de idade tentava, com dificuldade, atravessar a rua sozinha e parava em frente a seu carro. Buzinava, gritava. Tinha pressa para chegar a seu compromisso para melhorar o mundo e as relações interpessoais.

Jamais teve um emprego. Lutava justamente contra as grandes corporações que exploravam cruelmente seus funcionários. Preferia ganhar algum dinheiro vendendo para seus amigos discografias em MP3 e filmes antigos gravados em seu computador, mesmo quando a empregada doméstica contratada sem carteira assinada pela família insistia em atrapalhar seus negócios limpando o seu quarto e mexendo em suas coisas.

Os dois se conheceram na faculdade. Ela fotografou seu rosto em sua câmera profissional enquanto ele instigava uma greve dos alunos do curso em favor de uma mesa de sinuca para o centro acadêmico da universidade. Dias depois, ele babava pela mini-saia dela que, em uma noite de inverno, “esqueceu” de colocar um casaco e calça jeans porque viu um pequeno Sol da janela de seu quarto.

A partir daí, virou amor. Do resto todo mundo sabe a história: se conhece, sai, se apaixona, diz que é amor da sua vida, que um jamais viverá sem a presença do outro, e na semana seguinte está transando com outra pessoa e afirmando que “solteira(o) sim, sozinha(o) jamais”.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Jonathan Lauton Domingues

Não entendo de verdade a homofobia.

Sou hétero convicto desde o nascimento e gosto muito do sexo oposto, mas isso não me dá motivos para odiar quem não compactua com meus desejos.

Eu até entendo a vida difícil que levam esses jovens que se juntam em rebanhos a favor do ódio e da intolerância. Não é fácil ser um adolescente de classe média alta, sustentado pelos pais, vagabundo desde o berço, ganhando todos os brinquedos e mimos pelos quais chorava, estudando em ótimos colégios e usufruindo do suor da família para auto sustento e satisfação.

Essa vida dura, de longas viagens, shopping centers com biscates púberes de portas de escola, chocolate e sucrilhos sem fim, cinemas, iPods e mesadas polpudas realmente justifica atos como, por exemplo, acertar uma lâmpada no rosto de um desconhecido.

Mais recentemente, pai e filho foram agredidos (o mais velho inclusive perdendo parte da orelha) por um grupo de acéfalos enquanto visitava uma exposição de mães de agressores homofóbicos ao serem confundidos com gays.

Não perco meu tempo dando lição de moral. Mesmo porque sei que, para a família desses garotos, sempre foi prioridade as aulas de Yoga da mãe e o carro conversível do pai, ao invés da educação correta do filho. Isso, a escola católica ao qual o rebento foi matriculado foi responsabilizada. Os pais, coitados, não tinham tempo para estes ensinos com o pouco tempo de intervalo entre um restaurante chique e alguma exploração trabalhista da empregada doméstica que cuidava de seu apartamento de vários dormitórios em alguma área residencial de luxo.

Mas, de qualquer maneira, fica minha curta mensagem de indignação com estes fatos recentes e a sugestão de uma pena mais "islâmica" para tais indivíduos. Nem que, para isso, se aplique a Lei de Talião e - parafraseando e já prevendo o que disse Gandhi - acabemos todos cegos.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Davi e Golias

Davi se arrumou e foi para a balada. Entrou no recinto, tímido, de cabeça baixa e desconfiado. Gente diferente do que estava acostumado. Comprou uma dose de whisky para começar bem a noite e foi à pista.

Música alta, luzes psicodélicas, aquela fumaça que fazia mal a seu nariz e mais pessoas que o transporte público no horário de pico de uma segunda-feira.

De lá, viu ela, que dançava como se o mundo acabasse dali horas e sua silhueta fosse a reflexão do que mais sublime havia na humanidade já esquecida. Parou. Pela primeira vez não tinha palavras.

O que dizer? O que fazer? Era tão atraente quanto uma folha de papel almaço e tinha a desenvoltura de uma catraca de ônibus. Achou melhor esperar e voltar ao bar.

De lá, avistou Golias, que no oposto exato de si não hesitava em seguir os confusos rumos de sua própria vontade e fazer o que fosse preciso para realizar seus desejos.

Inédito em exposições ou museus, mas PhD em TOP 10 de rádios FM e depoimentos de Orkut com letras coloridas e de diferentes tamanhos com frases prontas de impacto que geram sorriso de qualquer menina ingênua, o gigante via na donzela um alvo. Que fosse mais um da noite: aquelas conquistas fáceis da natureza que esquecemos a realização segundos depois de acordar pela manhã, vestir a camiseta, tomar um café e não deixar sequer um contato.

Davi, Keraouc que só, não compactuava com tal atitude e não via chances de competição diante do evidente contraste dos pontos de vista, e encontrou no maço de cigarros escondido no bolso direito da calça jeans uma válvula de escape e relaxamento.

Na área de fumantes, cada trago reforçava a decisão de voltar ao campo e ratificar o mito do menor se fazendo valer contra o mais forte.

Calmo, com outra dose na cabeça e menos correntes na esperança, ele voltou ao lounge para avistá-la.

Como dona do recinto, ela dominava seus sentidos. Davi queria cantar todas as canções românticas daquela banda independente que ninguém conhecia ao pé de seu ouvido, e discutir por horas sobre o livro que estava lendo, cujo falecido autor não foi reconhecido em vida, mas um dia ainda provaria a competência. Infelizmente, ao contrário de Golias, que dançava cada vez mais perto daquela figura, recitando os versos que o DJ soltava na caixa de som de forma desafinada e convicta, ele não conhecia a letra da música.

Sequer sabia dançar. “Um pra lá e outro pra cá”, como viu um dia na televisão em um sábado tedioso em que a internet caiu, não funcionava tão bem para ele na pista de dança. Deslocado, encontrou na parede um apoio melhor que suas crenças.

E Golias crescia ainda mais. Chegava perto, sentia o pescoço quente da pequena e juntava suas mãos às palmas dela, que sorria. O terceiro gole de whisky não servia tanto à Davi para separar e vencer o adversário quanto para lhe causar certa tontura: acreditou que mais um pouco daquela nicotina barata comprada na banca de jornal seria o trunfo final da grande batalha.

Na varanda, em meio às nuvens de fumaça e silêncio, imaginava que, simultaneamente, Golias levava vantagem. Sua mente criava um filme onde o gigante histórico conseguia a garota, em meio a lábios unidos, cabelos puxados e perfumes misturados. Davi, cuja vontade era ele ser o personagem principal deste pesadelo, colocou um ponto final ao jeito low profile de ser e, de peito estufado e mais galã do que nunca, transitou entre desconhecidas multidões atrás dela.

Correu e empurrou, decidido.

Chegando ao ambiente retratado em quase totalidade desta história, Davi não encontrou nada além do vazio. Eles não estavam lá. E, apesar da pouca esperança de engano que um coração apavorado pode criar, ele sabia que não voltariam. Não agora. Pelo menos não mais naquela noite.

Aquele dia, Davi guardou a pedra de volta no bolso, a Bíblia estava errada e o gigante venceu.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Ele

Caminhava um sujeito pela calçada. Distraído, silencioso, mãos no bolso e mente no céu. Em um breve momento de percepção aguçada, ouviu seu nome sendo dito não muito longe dali.

Virou a cabeça de um lado, do outro. Seus olhos percorriam a rua em busca da fonte daquelas palavras. Em um bar fechado, atrás das janelas de vidro, em uma pequena mesa redonda, rapazes conversavam. Alguns de óculos de grau, outros de boinas, calças xadrez, cigarros, camisas de flanelas, cafés, tênis All-Star, barbas por fazer, camisetas de bandas alternativas, iPhones, citações de Bukowski, Shakespeare, Dostoiévski e certas inclinações esquerdistas. Eram claramente uma elite intelectual.

Um deles mencionou novamente o nome do indivíduo. E riu. E fez os outros rirem também. Prestando mais atenção no diálogo alheio, o sujeito percebeu que o grupo argumentava o quanto eram superiores por terem certeza de que ele não existia, enquanto a massa humana alienada o venerava.

Revoltado, não conseguiu acreditar, enquanto olhava para si mesmo, suas mãos, suas roupas, seu reflexo no vidro na parte de fora do estabelecimento, que alguém ainda assim poderia afirmar sua inexistência.

Tímido, sem saber ao certo como intimar o grupo pessoalmente, correu até o primeiro que encontrou na rua - por coincidência, um mendigo. Solicitou ao morador de rua que entrasse no bar e contasse aos jovens que conversou com o sujeito em questão, e que o mesmo comprovou sua existência.

Assim feito, obviamente que os tão intelectualizados rapazes caíram em gargalhadas. "Você é um louco! Um mendigo! Você não é ninguém!" diziam ao infeliz.

Ficou claro que o sujeito, que a partir de agora, para facilitar a narração, chamaremos de Zé, deveria encontrar alguém com maior credibilidade social para concretizar seu desejo. Um sem-teto não tem o peso necessário à importância da informação.

Procurou então um empresário que passasse por perto. Ao encontrá-lo, para não ter dúvidas de que seu plano daria certo desta vez, ainda por cima lhe concedeu sua própria carteira de identidade para demonstração. De terno alinhado, penteado e sorriso no rosto, o empresário recebeu uma rápida negativa dos rapazes de dentro do bar. "Um charlatão! Um aproveitador! Ficou rico à custa da enganação" foi o que ouviu. "Quanto a este documento: quem pode afirmar que é verdadeiro? Só porque está escrito em um pedaço de papel qualquer, não significa que é real!" disse um deles, arrancando aplauso dos outros por argumento tão sagaz.

Extremamente irritado, em um ato precipitado de fúria, Zé socou, do lado de fora, a janela do bar, espatifando em mil pedaços o vidro em sua mão.

Todos os outros clientes do bar, assustados com o que ocorreu e lembrando dos dois indivíduos que haviam causado tumulto anteriormente na mesa dos rapazes, iniciaram então um coro contra aquele pequeno grupo, tentando arduamente e em vão convencê-los a mudar de opinião.
"Isso não significa nada!" - diziam - "O vidro já estava velho. Uma simples brisa de verão poderia quebrá-lo. Um acontecimento banal e natural não é sinônimo de milagre!".

"Desisto!" - pensou Zé - "Precisarei eu mesmo me mostrar à eles". Tomado de coragem, então, em uma iniciativa inédita e desesperada, Zé adentrou o bar, meio tímido, meio inseguro, e se dirigiu à mesa dos rapazes.
Todos olhavam perplexos: clientes, funcionários, pedestres. Ninguém esperava esse tipo de atitude de alguém como ele.

Zé postou-se em frente à mesa do grupo e com orgulho e autoridade na voz, afirmou "Cá estou!". Inicialmente calados e confusos, os rapazes começaram então um tiroteio de frases prontas e réplicas: "Holograma! Ilusão! Mentira!". De modo nenhum dariam o braço a torcer, admitindo que o sujeito que ali se encontrava era de fato o Zé, apesar de todos os indícios contrários.

Triste, decepcionado consigo mesmo e com os próximos, Zé saiu do bar olhando pra baixo, apenas escutando os risos prepotentes do grupo atrás. Parou na calçada, fez sinal, e pegou o primeiro ônibus sem número até lugar nenhum, desaparecendo para sempre daquele lugar.

"What if God was one of us
Just a slob like one of us
Just a stranger on the bus
Trying to make his way home"

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Brincar

Sentado na poltrona do avião, ele afrouxa o nó da gravata. Seis horas no aeroporto esperando a conexão acabaram com qualquer resquício de humor no seu dia. Discretamente, tira os sapatos e sente pela primeira vez em tempos, mesmo que por segundos e de meia, os pés livres em contato com o chão.

Da maleta, tira o notebook já carregado para trabalhar. Alguns relatórios não foram concluídos, gráficos precisam ser refeitos e aquele e-mail prometido para a supervisão já está atrasado. Antes de tudo, abre a pasta Músicas de seu HD, insere o fone de ouvido no local correto e relaxa ao som de sua banda preferida. Menos de dois refrões depois, já está digitando freneticamente nas incontáveis páginas e documentos exibidos na tela.

O vôo parte.

Em meio ao caos de idéias e labutas virtuais, uma janela diferente aparece na barra de tarefas, piscando constantemente sua cor alaranjada. No MSN, sua esposa dialoga com o marido já duas semanas ausente devido à rotina nômade que sua carreira lhe impõe. Saudades são explicitadas, singelas declarações trocadas por palavras pesadamente simples de quem por tempos já disse de tudo.

...

De repente, um barulho. O avião começa a tremer como um epiléptico na cama durante um terremoto. Ele se agarra aos braços da poltrona, respira fundo, e tenta permanecer calmo... As luzes piscam.

Sacudidas e balanços maiores. Pulos. Sobressaltos. A tripulação não esconde a preocupação que se espalha também entre os passageiros.

Pela janela à esquerda, dois imensuráveis furacões negros pairam sobre o oceano. Em meio à ambos, a aeronave sofre pelo cabo de guerra gravitacional entre ela, os dois e o chão.

Rodopios, objetos voando, desespero. Máscaras de gás foram liberadas e a certeza da morte é cada vez maior. Ele grita. Pensa em tudo que viveu, tudo que poderia viver. Pensa nos filhos, na casa, na mulher. Naquela promoção do trabalho. Nas contas do fim de mês. No pudim que ficou na geladeira e que prometeu a si mesmo pegar um pedaço quando voltasse.

Mais rápido e mais intenso, o avião desce rumo à terra em uma velocidade cada vez mais aterradora. Chamas maiores que homens explodem das asas e demais estruturas. Desmaios, convulsões. Ele, por si só, pálido e imóvel diante de tanto absurdo. Um pássaro de metal morto caindo dos céus. Quando o bico da nave já está quase alcançando a altitude zero, tudo pára!

...

Uma criança, com três anos de vida e menos ainda de experiência, olha para cima. Ao ver a mãe chamando seu nome mais uma vez, deixa os brinquedos espalhados no quintal e segue correndo em direção à porta, interrompendo a aventura na hora do jantar.

Brincar é a coisa mais séria que o ser humano pode fazer.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Poesia etílica

Rancor? Licor!
Alegrinho? Então vinho!
Arrisque: uísque!
Mas veja: cerveja não é tranqüila? Tequila!
Mais um? Rum!
É craque? Conhaque!
Sem lógica? Vodca!
Faminto? Absinto!
Para quê? Saquê!
Está afim ou quer gim?
Poema sem graça? Cachaça!