sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2011 e os outros

Sentado na calçada, de gorro velho na cabeça, segurando uma garrafa de pinga vagabunda com as costas quentes encostadas na parede gelada, ele olha para o céu noturno em atual ebulição. Fogos de artifício explodem em gamas inimagináveis de cores e formas, preenchendo o breu com beleza, encobrindo as estrelas cotidianas com seus brilhos energéticos.

Sem ninguém para abraçar, dinheiro para gastar ou branco pra vestir, diz “Feliz ano novo” para si mesmo, sabendo que de feliz pouco verá e de novo nada tem.

Duas horas depois, ainda frescas na lembrança as imagens das comemorações no céu, a rua está em paz. Embriagado, cabisbaixo e sozinho, começa a refletir sobre a vida, os caminhos tomados, as decisões erradas, tentando entender onde e porque tudo deu errado.

Sons distantes começam a perturbar o até então ensurdecedor silêncio urbano. São os carros a toda velocidades e cheios de sorrisos sob música eletrônica alta pelas avenidas principais. Casais, amigos e famílias, todos eles alegres e aquecidos pela própria felicidade, voltando para casa, sonolentos e alienados ao mundo, prontos para descansar das festividades e voltar à vida como ela sempre foi.

Ele queria estar lá. Em qualquer lugar. Com qualquer um. Queria, ao menos uma vez, estender a mão a uma linda mulher para solicitar uma dança, e não implorar um almoço. Desfrutar de uma ceia, tomar champagne debruçado na varanda de um prédio enquanto observa o extasiado horizonte colorido explodir. Ter um relógio no pulso para, pela primeira vez, seguir corretamente a contagem regressiva, e não somente imitar o coro daqueles que comemoram em alto e bom som nos bares de esquina da vida.

Não muito longe dali, três quarteirões abaixo, no terceiro andar de um belo edifício metropolitano, ela usa um longo vestido branco. Decote discreto, cabelo liso tingido e colar de pérolas no pescoço. Sob as luzes de velas em uma pequena mesa de madeira, em uma confortável cadeira solitária e os cotovelos apoiados na mesa, ela olha um porta-retrato do outro lado da sala. Com cara de recordações, lembra do marido que meses antes saiu para comprar pão e não voltou: piscou os olhos durante um tiro de revólver e nunca mais os abriu. Deseja um ótimo ano novo para a foto mais bonita que teve a oportunidade de revelar e se derrete em prantos.

Agora já plena madrugada. As reuniões estão acabando. As pessoas se recolhem em seus aposentos. No centro da cidade, perto da janela de um quarto de hospital público, um terceiro personagem, idoso, vivido e contido, respira sofregamente. Olha para o Sol que começa a surgir no horizonte. Reza, pela primeira vez na vida, e pede um feliz ano novo. Desta vez, também de forma inédita, não para si mesmo, mas para amigos e familiares. Fecha os olhos, inspira profundamente, dá um último sorriso e cai em pensamentos, não tendo tempo de sequer presenciar a primeira manhã do primeiro dia do ano.

Um feliz ano novo, não somente para quem conheço e gosto, mas também àqueles sem rosto nem nome, perdidos no mundo e que nunca poderão ler estes votos. Que a felicidade (ou, ao menos, momentos felizes) contemple toda eternidade curta de nossas vidas.

Ótimo 2011!