segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

No metrô

O celular toca.
Cansado, encostado em um canto, apoiando o cotovelo sobre a janela para segurar a testa, leva o aparelho com a outra mão até o ouvido.
Um "alô" fraco sai da garganta seca, sem a mínima vontade de se manifestar.

- Calma, já estou chegando ... (longa pausa) ... É .. Atrasou um pouco ...

Mal sabe ela do outro lado o dia duro que ele teve.
Stress no trabalho, calor, vontade de deixar este mundo.
Por ter ficado mais cinco minutos no serviço, perdeu o último trem antes da falha operacional.
Toda a linha congestionada. Intervalos maiores entre as estações. Velocidade reduzida.
Um caminho que duraria meia hora, nesta primeira inteira não chegou à metade.

O operador anuncia a estação.

- É o cara do metrô. É ... Estou ... (longa pausa) ... Não, amor, não é!

Do outro lado, ela se desespera: não quer saber de mentiras. Ele sempre chegou cedo em casa e em seguida anunciava que já se encontrava no abrigo do lar pela internet. Nesses últimos dias ele parecia estranho mesmo. Calado. Ausente. Distante. Será que estava com outra? Conheceu alguém para canalizar os prazeres acumulados da rotina ou fez isso desde sempre e apenas deslizou nesta mentira em particular?
Ela grita, esperneia. Lança frases feitas e desfeitas sem dó nem razão, gaguejando entre os próprios pensamentos.

- Não. É o cara do metrô. Estou no trem!

Ela não acredita. Não bastasse mentir, chegar atrasado, não estar presente, ainda por cima com a outra durante a ligação? Todos sabem distinguir muito bem o barulho irritante velho conhecido dos usuários do transporte público metropolitano da suave voz da amante incandescente com quem deve competir pelo amor de sua vida.

O trem começa, lentamente, a andar. Embaixo de um túnel, fica mais difícil a comunicação e o som parece ensurdecedor.

- Estou entrando em um túnel ... É! Um túnel! (longa pausa) ... Alô? Alô? Alô?

Um absurdo. Em uma festa à noite, sem dar satisfações ou responder suas perguntas, ele desliga o celular. Que ótima maneira de encerrar uma discussão.

Ele olha o celular. Xinga. Vira os olhos. Bufa. Tenta novamente o contato.

- Eu entrei no túnel ... (longa pausa) ... Não, a ligação caiu!

Escutando o monólogo pelo telefone móvel de última geração que, apesar de tanta tecnologia embutida em seus poucos centímetros quadrados, não consegue sustentar uma comunicação subterrânea adequadamente, ele se irrita.

Quieto, sem argumentar, apenas ouve. E ouve. E respira fundo. E passa as mãos na testa suada pela combinação de claustrofobia e desespero. E afasta o celular. E o aproxima. E tenta. Desiste. Respira mais um pouco ...

- Não ... (longa pausa) ... Não é isso ... (longa pausa) ... Amor, me escuta ... (longa pausa) ... Amor, me escuta ... Deixa eu falar ...

O silêncio de cá comprova a eficiência - ou talvez a exagerada - retórica de lá.
Faz-se um hiato imensurável entre a última e a próxima sílaba dita.

- Olha como você fala! Cansei disso ... Eu não sou cachorro ... (longa pausa) ... Olha como você fala comigo! Eu não sou seu cachorro .... Cansei disso ...

Ele é um vulcão. Como se encontrasse forças nas frágeis almas abandonadas dos inocentes réus julgados e condenados pelo júri implacável e nem sempre justo da vida, ele explode em negações e enfrentamentos.
Decidiu não mais consentir. Calar, nunca mais.
Ele confessa todos os até então prioritariamente resguardados ódios e raivas reprimidos.
É este o momento do combate. Titãs de coração de ferro e corpos de borracha se encontram na arena sanguinária das discussões verbais amorosas, digladiando pela autoria do ponto final.

No auge dos verbos que compõe esta história, chego a minha estação.
Levanto, saio pela porta, e deixo para trás o fato, levando apenas a memória e a curiosidade natural pela continuação do presenciado ...