quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Eles ainda mudam o mundo

A história de um casal. Falemos primeiro dela.

Menina polêmica, sempre foi muito inteligente. Afirmava com absoluta certeza que o que lhe importava de verdade era a beleza interior. Criticava sem piedade aqueles que não enxergavam a inteligência como verdadeiro afrodisíaco. Jamais foi superficial. Aproveitava o tempo livre para inserir fotos de seus ensaios fotográficos nos álbuns das redes sociais. Tinha a enorme preocupação de não repetir o mesmo vestido (por mais caro que fosse comprar um novo) e passava horas aprendendo os efeitos do Photoshop para tirar as espinhas, diminuir imperfeições, melhorar cor, brilho, contraste e, de quebra, parecer uma modelo consagrada. De qualquer maneira, não ligava para aparências.

Adepta do budismo, ela levava uma vida zen. Gostava de passear à tarde no parque, tomar uma xícara de café enquanto ouvia músicas relaxantes e lia um bom livro. Acreditava que uma menina tinha de se dar o devido valor, se guardar, que um dia apareceria o verdadeiro amor de sua vida. Talvez por isso beijasse onze rapazes na mesma noite, em alguma balada de renome da cidade, sem saber nome, idade, profissão: integridade.

Vegetariana temperamental, arrumou briga uma vez com o funcionário de uma lanchonete que derrubou ketchup em seu casaco de pele de chinchila.

Um dia, no vai e vem da vida de confusões e absurdos, conheceu um carinha diferente.

Falaremos agora dele.

Ele, rapaz diferente, popularmente chamado de hipster pelos amigos, sempre se destacou dos demais. Não era como os outros, que só pensava em dinheiro. Pelo contrário, ele sempre foi defensor mordaz de uma ideologia esquerdista: lia todos os escritos de Marx e odiava de coração a burguesia capitalista, aos quais chamava de “porcos”.

Todo final de semana acordava com o despertador do seu iPhone, vestia seus confortáveis tênis Nike, um casaco da Adidas para não passar frio, entrava no carro emprestado pelo pai e dirigia rumo à alguma manifestação/passeata política. Enquanto ouvia no som do veículo algum CD do Dead Fish, filosofava sobre como a sociedade era alienada. Não entendia o desrespeito que um ser humano pode ter com o outro. De vez em quando se irritava quando alguma senhora de idade tentava, com dificuldade, atravessar a rua sozinha e parava em frente a seu carro. Buzinava, gritava. Tinha pressa para chegar a seu compromisso para melhorar o mundo e as relações interpessoais.

Jamais teve um emprego. Lutava justamente contra as grandes corporações que exploravam cruelmente seus funcionários. Preferia ganhar algum dinheiro vendendo para seus amigos discografias em MP3 e filmes antigos gravados em seu computador, mesmo quando a empregada doméstica contratada sem carteira assinada pela família insistia em atrapalhar seus negócios limpando o seu quarto e mexendo em suas coisas.

Os dois se conheceram na faculdade. Ela fotografou seu rosto em sua câmera profissional enquanto ele instigava uma greve dos alunos do curso em favor de uma mesa de sinuca para o centro acadêmico da universidade. Dias depois, ele babava pela mini-saia dela que, em uma noite de inverno, “esqueceu” de colocar um casaco e calça jeans porque viu um pequeno Sol da janela de seu quarto.

A partir daí, virou amor. Do resto todo mundo sabe a história: se conhece, sai, se apaixona, diz que é amor da sua vida, que um jamais viverá sem a presença do outro, e na semana seguinte está transando com outra pessoa e afirmando que “solteira(o) sim, sozinha(o) jamais”.