sábado, 6 de março de 2010

Música

Música pode ser uma experiência realmente única dependendo de quem e como a executa. Algo, digamos, espiritual, de certo modo.
Você fica com um pensamento na cabeça. Aquela pessoa, aquela frase, aquele ato indesculpável, qualquer coisa que lhe atormente a calmaria e sente a necessidade urgente de uma via de escape.
Neste momento você senta. Na cama, no sofá, em uma cadeira, tanto faz. Pega aquele seu instrumento com o qual, ao longo de tantos tempos, obras e situações, adquiriu uma intimidade especial de troca, carinho, diálogo. Neste caso citarei um violão como exemplo, mas admito que "pulei a cerca" desta relação com baixos, teclados e até mesmo gaitas igualmente sedutoras.
Sua mão esquerda segura o braço do instrumento como se estivesse domando um animal. Não há mais distinção entre seu corpo de pele e sangue e este novo apêndice de madeira, cordas e vibrações: tudo é um só organismo.
Seus dedos da mão direita brincam com as cordas, sentem a força necessária para cada situação - a posição ideal, o som que jorra da concha acústica abaixo de sua palma - enquanto os da esquerda espremem as cordas, escolhem as casas certas, movimentos ideais.
A partir daí, tudo são notas. Todo desabafo, emoções e pensamentos vêm em forma de som, melodias, escalas. Aquela nota prolongada pra refletir, a batida forte pra embrutecer, a intensidade de volume aumentando e diminuindo conforme o clima, o momento.
Você, de olhos fechados e corpo em frenesi, dita as novas regras do mundo, as suas escalas, a sua melodia. E se há alguém tocando junto, é um cobertor de emoções costurado entre vocês. Sentimentos, vontades, verdades e bom-senso individuais entrelaçados para o bem maior, para a beleza geral da verdadeira máxima expressão: o orgasmo artístico da exatidão musical.
É um conceito quase sexual.
É o feeling.
É o sentimento.
É o romântico e o selvagem lado a lado esperando somente o seu sinal.
E tanto faz estar na cabeça da Estátua da Liberdade com transmissão ao vivo para o planeta inteiro em TV aberta ou sentado em um beco escuro, gelado e úmido sozinho: aquele é o seu momento individual, a única e verdadeira forma de expor quem é você, o que você pensa e sente.
Nenhuma outra forma de comunicação é tão completa.
O silêncio, o barulho, a harmonia.
Se para alguns conceitos ainda não existem palavras, existem notas. Aquelas ouvidas e entendidas.
E se, no fim da vida, estiver surdo, mudo e imóvel em uma cama de hospital, em minha mente ainda ecoarão as melodias de meu indivíduo. Hinos memoráveis expressando a verdadeira essência do meu ser.