domingo, 24 de janeiro de 2010

Escrevendo sobre algo impossível de ser descrito plenamente ...

Escuridão parcial, daquelas suficientes para não reconhecer exatamente os objetos mas ainda assim saber que há algo lá.
De barriga para cima, coberto e contemplando o silêncio da madrugada, espero o sono vir.
No teto, as poucas luzes oriundas de lâmpadas acesas na rua invadem o meu quarto pelas frestas da janela, que originalmente serviriam apenas para possibilitar a circulação de ar entre o ambiente interno e o externo. Aparentemente a luz não se importa com as finalidades criativas humanas, então me concentro apenas em observar a projeção desta "janela luminosa" que paira exatamente sobre minha cabeça.
Sem mais nem menos, um vulto aparece na imagem anteriormente descrita. Uma sombra totalmente negra e de forma bem humanóide se apresenta como aquelas marionetes que fazemos quando crianças, com uma laterna em frente à parede. Começo a estranhar.
Com a cabeça inclinada, a figura levanta um dos braços e com dois dedos faz um sinal me chamando, como que para seguí-lo. Estremeço.
Como se o meu medo crescente não fosse absolutamente nada relevante, a imagem então começa a brincar de gestos, sabendo que eu a observava e não me movia. Faz, com os mesmos dois dedos que antes me chamavam, uma imitação de pessoa caminhando e reveza esta gesticulação com o convite de antes.
Viro minha atenção para o lado direito da imagem no teto, onde agora há duas cabeças humanas me olhando. Masculinas, carecas e transparentes, são estáticas e sem feição alguma. Acho tudo muito estranho e logo me indago, em voz alta, se tudo aquilo não se tratava de um sonho. Imediatamente, como que ativadas pelo meu medo e curiosidade, as duas cabeças gritam, frenéticas e em tom de deboche provocante, afirmando que aquilo era sim um sonho. E quanto mais concordavam com a minha suposição, mais amedrontado eu ficava e, proporcionalmente, mais as duas cabeças flutuantes utilizavam caretas e sotaques para me encurralar psicologicamente.
Procuro um auxílio em meu irmão, sabendo que dormia na cama ao lado e, se tudo aquilo realmente estivesse acontecendo, ao menos dividiria o sofrimento comigo.
Ao virar a cabeça para direita, vejo que meu irmão também está, do mesmo modo esquizofrênico (útil em um manicômio, mas não em uma madrugada de domingo), gritando que era sim um sonho, que era sim, que era, sim, sim, sim.
Então, entre a cama do meu irmão e a minha, como se ali fossem apenas as bordas de uma piscina, surge um busto de um garoto vestido em azul, se apoiando com os cotovelos na cama ao lado da minha e balançando a cabeça concordando com o que diziam as duas figuras do teto e meu próprio irmão alucinado. Não consigo ver até então como era o garoto, apenas sabendo que era isto mesmo pelo corte de cabelo, tamanho e modo de se vestir.
Neste instante, o som similar ao de milhões de abelhas enlouquecidas invadem o meu ouvido. Fico atordoado, com medo, paralizado, tenso e horrorizado com tudo aquilo.
Talvez pressentindo a densidade que esmagava meu peito e me impedia de clamar por socorro, o garoto parece querer me revelar o seu rosto. Extremamente lento, o garoto vai subindo a cabeça, jogando-a para trás pouco a pouco, até a hora em que vejo o queixo dele e sua testa substitui o que antes era a nuca.
Seus olhos são dois poços infinitos de brancura. Não há íris, não há nada. Só branco, branco e branco. E irritação em sua volta, como se aqueles olhos nunca tivessem sido protegidos por pálpebras e agora demonstrassem o cansaço a e dor de não cochilar.
Contente com o acordo quase unânime entre os presentes quanto ao meu estado de sonho, o garoto balança a cabeça de um lado para o outro, ainda na desconfortável posição jogada para trás, e então tira a língua, com o dobro do comprimento natural humano, de dentro da boca e a move igualmente.
Então eu não me contenho e tento gritar.
Até então eu mal conseguia falar. Só quando muito me esforçava eu conseguia soltar alguns gemidos baixos e inaudíveis.
Mas nesta hora nenhum amplificador profissional poderia competir com a potência de minhas cordas vocais.
Dou um grito desesperado e acordo, às 5 da manhã, no mesmo quarto que serviu de cenário para o meu pesadelo. Demoro horas pra dormir e me contenho em dizer que estava apenas sonhando quando, no dia seguinte, me perguntam o porquê do rugido desesperado da madrugada anterior.