terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Mente ... Ira ... Mentira

Engraçado como algumas vezes nós só realmente percebemos se gostamos ou não de alguma coisa, ou se a queremos ou não, quando é tarde demais. E desta vez a redação é sobre algo consideravelmente mais fútil que o amor.

O dia daquela balada que você tanto esperava ir finalmente chegou. Banho, perfume, barba feita, fila e começa a brincadeira.
No começo a sensação é bárbara. Tanto tempo que você não aproveitava para se divertir, "tirar ondinha", enfim, não ligar pra problema nenhum e seguir a intensidade do momento. Você já havia bebido umas cervejinhas, então alegria não era o problema.

Entrando pelas portas, a cena é o óbvio e verdadeiro estereótipo de qualquer estabelecimento do tipo: a escuridão disputando seu lugar com os flashes psicodélicos como se um prêmio fosse prometido ao vencedor, sofás públicos esmagados por corpos libidinosos atuando uma atenção ao diálogo como se realmente houvesse prioridade entre o amor verdadeiro e a diversão casual, a música frenética tão densa que você pode carregá-la nos próprios ombros como um Atlas mitológico confundindo a Grécia com uma pista de dança qualquer, as silhuetas virtualmente indistinguíveis seguindo o fluxo musical e criando uma linguagem única e inexplicável como só a raça humana é capaz de fazer. Excelente.

Nâo precisaria mencionar que a primeira parada nesta longa estrada é o bar, mas assim faço por vontade descritiva.
É impressionante como uma simples estrutura divisória se assemelha mais a uma doce bala que cai em cima de um formigueiro do que um obstáculo construído em favor da organização geral.
Entre eu e toda humanidade expremida no local não há mais nenhuma individualidade quando a questão é a busca por líquidos (alcoólicos ou não). Como tentamos em vão atrair a atenção das garçonetes, neste momento, absolutamente não nos difere a recém-nascidos frios e famintos clamando pela urgência da mãe displicente.
Consigo a minha tequila. É dada a largada.

A música ruim até seria irrelevante na possibilidade de conhecer alguém legal. Alguém? Conhecer? Como se aprofundar na vida alheia quando surdos e sem vontade de buscar outros modos de expressão? Como se interessar de fato nas feições, roupas engraçadas, hábitos estranhos e cicatrizes de personalidade de uma pessoa se estão todos perdidos entre olhares, lábios, mãos e sentidos elevados artificialmente? Não. Minha vida agora é de presidiário: em silêncio, sentado, com leitura em dia e ambiência sonora de qualidade (apesar de a mesma ser relativa e duvidosa). Não sou mais uma coruja, indiferente à selvageria do breu e comunhão de organismos sem gênero/número/grau para finalidade reprodutiva, perdida na própria boemia. Minha barba por fazer coça, reflexo da mente igualmente irritada pela dúvida de estar ou não ali.

Estar com os amigos é ótimo. Este é o lado bom e o antídoto para o meu prazer. Conversas, piadas, histórias. A intimidade faz com que um resmungo soe como poesia cotidiana, daquelas que lemos em placas de caminhão e julgamos como ordinárias, mas que no fundo sabemos que é a realidade. Compro minha segunda ou terceira Heineken.

No meio do período de permanência já me encontro em angústia.
Por que não é mais tão legal quanto antes?
Eu esperei e quis tanto estar aqui para agora reclamar? O que aconteceu?
A vida aconteceu ...
Depois de broncas divinas, estômagos de aço e perdas irremediáveis, não há mais graça nisto tudo. Meu sinal já é amarelo e toda a pista livre não é de grande valia se não pretendo avançar pra segunda marcha. É fazer comédia em frente ao espelho.

Depois de um tempo, minha vontade é de escrever. Mas sem papel, caneta ou espaço, meu cérebro vira um bloco de notas. Inútil dizer que em pé no meio da multidão e cercado pelo som alto, eu estava - vamos assim dizer - escrevendo na superfície da água. Como chegavam, as idéias iam. Bumbo, bumbo, caixa e meu versos se misturavam com a melodia que pairava. Rima, prima, imprima, guitarra, baixo, grito, cadê o silêncio, cadência, lenço. O que tinha pensado? Tenho que terminar o meu livro do Jack Kerourac que deixei em cima da cômoda ao lado da minha cama no apartamento do meu pai. Opa! Onde vocês estavam? Está tocando Oasis? Aquele cara sim sabia escrever. Kerouac. E pensar que ainda tem outro livro dele que comprei. Sim, sim, vamos pegar mais cerveja. Minha mente, meus textos, minha fala se embaralham e eu não consigo pensar e nem pedir truco. Não que eu estivesse jogando. Mas hoje em dia não passa disso, não é? Jogos. Blur. New Order. E a nova ordem é fingir que está tudo bem. Olha só aquela lá! Ah, não, de jeito nenhum. Dança. Bagunça. Heineken. O meio no fim. E depois a revisão da metade. Um grupo de meninas. Os olhos. As poses. Que piada. Me dê uma folha de papel e uma caneta. Não vou pedir, mas eu queria. Aceito cigarro, cigarra, se agarra aí que eu não quero mais nada. Queria paz, mas atualmente estou aceitando até pás pra me enterrar e sumir. Caótico e sem ordem cronológica já nem ligo pra sintaxe de imaginação e decência de coordenação. Vistoria na fila do banheiro indagando se é "cocaine" ou normal. E eu só quero ir no banheiro, licença, por favor? Farto dos fatos sem fotos, e de toda essa sonoridade das palavras. Pseudo-argentinos forjando sotaque para conquistar presas. Mais Heineken. Mais poesia na minha mente. Menos rimas, menos ardente. Cansei, quero ir embora para poder dar sequência ao meu texto, algo que não cheire fumaça e tenha uma ordem legível pra quem quiser decifrar.

Fora da balada finalmente.
Sendo honesto, não gostei.
Bem legal unir o pessoal. As brincadeiras. Os registros.
Mas minha fase agora beira a espiritualidade sem título.
Esperamos o metrô abrir contando casos e rindo.

Casa. Cama. Sonhos. E o tic-tac mecânico do meu relógio-disco-de-vinil com foto dos Beatles como único compasso regente ecoando em meus ouvidos. E eu, recluso por um bom tempo.