domingo, 31 de janeiro de 2010

17

Aquela sensação de estar sozinho mesmo sabendo que não está. O assustador contrário da paranormalidade que tanto inspira ficções cinematográficas. O sentimento de estar solitário no topo do Everest com o mundo inundado ao ponto de a água molhar a sola de suas botas de escalada.

Não que eu realmente não tenha ninguém. Pelo contrário, tenho amigos que morreriam por mim e que sabem da reciprocidade do sentimento. Tenho uma família que sempre se propôs a tirar o oxigênio dos próprios pulmões caso disto dependesse a minha felicidade. Pessoas, pessoas, pessoas. Não somente aquelas faces sem verbos ou timbres que enfeitam as fotos antigas de turmas não continuadas do colegial ou de uma viagem louca e inesperada pra algum território distante e inesquecível, mas seres humanos com toda a complexidade que tais relacionamentos verdadeiros exigem.

A questão é ter com quem compartilhar sentimentos mais íntimos. Nada destas superficialidades carnais, que não perdem a importância e muito menos a necessidade, mas que não entram agora no meu contexto semi-neurótico-depressivo de uma madrugada de sábado. Falo de alguém para fazer massagens nos pés quando estes forem maltratados pelas exigências diárias e implorarem por um conforto já esquecido entre sapatos, meias, calçadas e buracos não previstos. Alguém para quem eu disfarçe o garrancho na hora de enfeitar um papel de carta colorido com rimas e significados exclusivos de nós dois. Uma mão quente de unhas pintadas para elogiar estranhamente, comparando a tonalidade do esmalte com a sua palheta favorita que perdeu ao deixar em cima de um amplificador durante aquele show noturno de bebidas, rock e brincadeiras. O número de telefone mais recorrido de toda sua agenda. A pessoa pra te acusar de não prestar atenção em nada do que ela diz, quando o fato é que você queria lhe contar que sua memória se confundiu por, na verdade, prestar atenção a TUDO que ela diz, e assim embaralhar fatos, fotos, datas, razões, nomes e prioridades, mas no fim você só balança a cabeça e reconhece o erro, ou equívoco, ou seja lá qual for o nome dado porque a embalagem já não é mais tão importante quanto o produto final, e nunca foi. O wallpaper do seu celular, para admirar a todo instante. O lábio inferior que você morde. A coluna saliente que a palma da sua mão identifica no carinho. A causa daquelas crises de ciúmes que te impedem de ter um sono decente, visualizando o impossível em pesadelos críveis dentro do contexto desta insanidade saudável de carência simbiótica que carinhosamente apelidamos de amor.

A ociosidade mental me incita estupidez.
Erros, substituições, experimentos, máscaras e citações nunca levam ninguém a lugar nenhum.
E continuo nada sabendo e de tudo me enganando nesta brincadeira.
Por mais implícita que seja, a positividade é sempre existente: se meus passos tivessem ao menos um quinto da certeza e a estética de minhas frases, eu nunca as escreveria.